domingo, dezembro 7, 2025
ColunaGisa Veiga

Que ódio é esse?

Foi-se o tempo em que os portugueses tratavam brasileiros como parentes próximos. Diziam que falávamos um português “com açúcar” e não havia sinais de comportamento repulsivo. Hoje, as agressões verbais não são apenas um incômodo, mas um sinal de que elas podem avançar para ataques corporais e tortura. Como foi que esse comportamento animalesco surgiu nos últimos anos? Que raiva é essa?

O mais recente caso chocou-me de maneira especial. Um garoto brasileiro de apenas nove anos de idade foi vítima de um brutal ataque de estudantes de sua escola no último dia 10, numa cidadezinha do interior de Portugal. O menino havia acabado de entrar no banheiro e foi seguido por dois colegas, que fecharam a porta sobre seus dedos. Não apenas isso, eles pressionaram a porta, elevando o sofrimento e as consequências. O caso foi minimizado pela escola desde o princípio, e a agressão resultou em metade do dedo indicador amputado e outro dedo sem a parte superior, na área da unha.

O desespero da mãe não ecoou nos ouvidos da escola, nem da comunidade onde vive. Pelo contrário. Denúncias feitas pela mãe provocaram a ira dos pais dos meninos agressores, com apoio de vários moradores da pequena cidade.

O fato é que aqueles meninos não aprenderam a odiar, sozinhos, os brasileiros. O ódio é repassado pelos pais, parentes e outras pessoas que exercem influência sobre eles. Esse sentimento vem se acentuando e se alastrando com velocidade impressionante. E, o que talvez seja mais grave, normaliza-se o ódio, a xenofobia, a crueldade contra os brasileiros.

Alguns brasileiros que conheço e que moram em Portugal já viveram situações de desprezo e constrangimento. Vários outros casos me vêm ao conhecimento pela imprensa. Ora são mal atendidos em instituições públicas, ora são agredidos verbalmente nas ruas e em outros locais.

Tenho uma jovem amiga, a jornalista Flávia Lopes, que mora há alguns anos por lá, aonde foi estudar. Ela tem uma coleção de casos de xenofobia para contar. Vou reproduzir apenas dois deles: “Era meu primeiro dia de trabalho numa fábrica. A chefe da linha de produção me apresentou para todos os companheiros de trabalho e logo depois aproximou-se de mim uma menina que falou: ‘Ah, és brasileira! Dizem que as brasileiras ou são putas ou são feiticeiras!’”.

Outra vez, num supermercado em que trabalhava como caixa, uma freguesa contava vagarosamente o troco dado por Flávia. “Está tudo certo?”, perguntou minha amiga. “Estou só confirmando, pois sabe como são os brasileiros né?”, respondeu a mulher. Flávia, que tem um humor elevadíssimo, contra-atacou: “Sei, sim. Aprendemos tudo com as caravelas que foram lá ao Brasil”.

Os brasileiros representam, atualmente, 32% dos imigrantes em Portugal, constituindo a maior comunidade estrangeira no país. Mais do que isso: comprovadamente têm contribuído para o crescimento da economia daquele país. Isso foi reconhecido por Miguel Relvas, ex-ministro adjunto do primeiro-ministro de Portugal e colunista da CNN Portugal, para quem as mudanças nas regras migratórias não deverão atingir tanto a comunidade brasileira, que, segundo ele, continua sendo “fundamental para o crescimento econômico português” e é vista como um tipo de imigração “premium”.

Engulam, odiadores!

 

Por Gisa Veiga

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