terça-feira, junho 24, 2025
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Depoimentos no STF revelam contradições e tensões sobre tentativa de golpe após eleições

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quarta-feira (21) a oitiva das testemunhas de acusação no processo que investiga a suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. As sessões desta semana, marcadas por versões contraditórias, atuação discreta da Procuradoria-Geral da República (PGR) e intervenções firmes do ministro Alexandre de Moraes, trouxeram à tona novos detalhes sobre os bastidores do final do governo Bolsonaro.
Entre os cinco depoimentos colhidos, destacaram-se os dos ex-comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, apontados como principais responsáveis por impedir uma possível ação golpista liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
As declarações dos militares, no entanto, apresentaram divergências significativas. Enquanto Baptista Júnior afirmou categoricamente que Freire Gomes ameaçou prender Bolsonaro caso tentasse um golpe, o ex-comandante do Exército negou o episódio: “Alguns veículos relataram que eu teria dado voz de prisão ao ex-presidente, mas isso não aconteceu”, disse o general.
O tenente-brigadeiro, por sua vez, foi enfático ao relatar a postura de seu colega: “O general Freire Gomes é educado e não falou com agressividade ao presidente, mas foi isso que ele disse. Com calma e tranquilidade: ‘Se você tentar isso, eu vou ter que lhe prender'”.

Papel da Marinha gera controvérsia

Outra divergência importante nos depoimentos diz respeito ao papel do ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier. Segundo Baptista Jr., Garnier teria colocado tropas à disposição de Bolsonaro, em apoio a uma tentativa de impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Freire Gomes, no entanto, minimizou o gesto e negou ter interpretado como conluio, contradizendo declarações anteriores dadas à Polícia Federal. A discrepância irritou Alexandre de Moraes, que repreendeu o general: “Ou o senhor falseou a verdade na Polícia Federal, ou está falseando a verdade aqui”.
Pressionado, o ex-comandante do Exército admitiu que Garnier teria se colocado à disposição do presidente, mas ponderou que isso poderia ter sido apenas um gesto de respeito, sem necessariamente indicar adesão a um plano golpista.

Reuniões e “minuta do golpe”

Ambos os comandantes confirmaram a realização de reuniões entre militares e integrantes do governo Bolsonaro – inclusive com a participação do próprio ex-presidente – para discutir possíveis ações que impediriam a posse de Lula. No entanto, enquanto Baptista Junior caracterizou os encontros como uma articulação golpista, Freire Gomes referiu-se aos documentos apresentados como “estudos” e afirmou que tudo estaria dentro da Constituição.
O ex-comandante do Exército disse ter recebido os estudos do próprio Bolsonaro, mencionando a possibilidade de decretação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou de Estado de Defesa. Ele afirmou ter alertado o então presidente de que o Exército não adotaria nenhuma medida inconstitucional.
Já Baptista Júnior relatou ter presenciado reuniões nas quais foram discutidos os termos da chamada “minuta do golpe”, em um esquema de “brainstorm”. Em um desses encontros, segundo ele, chegou a ser cogitada a prisão do ministro Alexandre de Moraes.

Operações da PRF no dia da eleição

Os depoimentos também trouxeram novos elementos sobre a atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia do segundo turno das eleições. Adiel Pereira Alcântara, ex-coordenador de Análise de Inteligência da PRF, afirmou que o diretor de operações pediu apoio para monitorar ônibus e vans de Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro com destino ao Nordeste, região onde o então candidato Lula tinha ampla vantagem nas pesquisas.
Segundo Alcântara, o diretor teria lhe dito que “era hora de a PRF tomar lado”, por ordem do então diretor-geral, Silvinei Vasques. Outro depoente, o analista de inteligência Clebson Ferreira de Paula Vieira, da Coordenação-Geral de Inteligência do Ministério da Justiça, confirmou que a PRF atuou de forma diferente em regiões com maior apoio a Lula ou Bolsonaro.

Tensão durante as oitivas

As sessões foram marcadas por momentos de tensão, especialmente quando a defesa do ex-ministro Anderson Torres tentou afastar o réu do cenário de articulação golpista. Ao insistir repetidamente em questionar se a minuta encontrada na casa de Torres era idêntica à apresentada em reuniões, o advogado provocou a irritação de Moraes.
“O senhor já perguntou quatro vezes a mesma coisa e a resposta do depoente foi clara”, interveio o ministro, acrescentando: “Não vou permitir que Vossa Senhoria faça circo no meu tribunal. Se continuar tentando induzir a testemunha, terei que cortar sua palavra.”

Próximos passos

Com o encerramento da oitiva das testemunhas de acusação, o processo segue agora para a fase de depoimentos das testemunhas de defesa, prevista para começar nesta quinta-feira (22). O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, determinou que todos os depoimentos sejam concluídos até o final de junho.
O julgamento, que envolve o chamado “núcleo 1” da suposta tentativa de golpe, tem como réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas, incluindo ex-ministros, militares de alta patente e assessores próximos. As acusações incluem tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Para analistas políticos, os depoimentos desta semana reforçam a gravidade das acusações e evidenciam o papel crucial dos comandantes militares na preservação da ordem democrática após as eleições de 2022. A conclusão do processo, no entanto, ainda deve demorar alguns meses, com impactos significativos no cenário político nacional e possíveis desdobramentos para as eleições municipais deste ano.
Fontes: CNN Brasil e G1

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