Presidente de comissão na Câmara dos Deputados cancela R$ 90 mi em indicações de colegas — R$ 7 milhões de Motta — e causa revolta em parlamentares
O emedebista indicou R$ 44,5 milhões para municípios do Ceará, sua base eleitoral, com o remanejamento de verbas que antes eram de autoria de outros deputados ou partidos. Tiveram recursos cortados líderes de legendas como União Brasil, PP, Republicanos, Avante e Podemos. Até o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), teve suas propostas canceladas em R$ 7 milhões.
Os cortes beneficiaram com novas indicações o presidente da comissão e dois aliados dele: o líder do MDB na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões (AL), com R$ 30 milhões, e o presidente nacional do partido, o deputado Baleia Rossi (SP), com R$ 10 milhões. Com menos recursos (R$ 4,8 milhões), também foi atendido o presidente da Comissão de Saúde, Zé Vitor (PL-MG).
“Informo que a planilha encontra-se sobre a mesa. Coloco em discussão. Não havendo quem queira discutir, encerra a discussão. Coloco em votação. Aqueles que aprovam permaneçam como se encontram. Aprovada as planilhas”, disse o emedebista, numa votação que, desta vez, durou exatos 16 segundos.
O presidente da comissão atribuiu o cancelamento das emendas dos colegas a um erro da assessoria. “Creio que a assessoria confundiu isso com indicações anteriores. Essa ata vai ser tornada inválida”, disse o emedebista. “Devem ter confundido a lista da liderança do MDB com a da comissão. Só fiquei sabendo hoje cedo [segunda].”
Um dos beneficiados pelo remanejamento das emendas, Zé Vitor disse que soube pela Folha que a sugestão tinha sido aprovada. “Realmente protocolei uma proposta no sistema, mas me disseram que não se concretizou porque não tinha saldo suficiente.”
Como as emendas de comissão são discricionárias, cabe ao Poder Executivo decidir se reserva recursos para executá-las ou se as ignora, mesmo que tenham sido aprovadas pelo Congresso. Isso é usado como moeda de troca com os congressistas para angariar apoio para a pauta de interesse do governo federal.
As emendas de comissão substituíram a extinta emenda de relator do Orçamento, declarada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2022 pela falta de transparência sobre o real padrinho político da indicação (que ficava escondido sob a classificação de que o autor era o relator do Orçamento). O mecanismo foi usado para distribuir verbas sob sigilo no governo Jair Bolsonaro (PL).
O modelo adotado, no entanto, se mostrou inconsistente, como mostrou a Folha na semana passada, e mais de R$ 1 bilhão em dinheiro público continua aprovado sem que se saiba o real padrinho político da verba. Além disso, a divulgação das emendas referentes a 2025 mostra que os dados estão espalhados por mais de 40 arquivos nos sites das comissões da Câmara e do Senado, com erros de diagramação, links que dificultam a consulta e formatos que não permitem trabalhar as informações.
O sistema do governo também não permite saber quem teve as verbas pagas, já que o portal da Transparência indica a comissão como autora da indicação e oculta o nome do parlamentar.
A manobra na Comissão de Desenvolvimento Urbano às vésperas do recesso expõe ainda o pouco controle sobre o direcionamento de verbas milionárias por parte dos próprios parlamentares. As indicações são votadas em segundos pelas comissões, sem nenhum debate e sem que os próprios deputados conheçam as listas de obras, cidades e projetos contemplados com o dinheiro.
Congressistas dizem que o presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano provavelmente aproveitou propostas de outros deputados que não tinham vingado, por falta de atendimento dos critérios exigidos pelo governo, e buscou contemplar recursos para sua base eleitoral. Se o convênio for assinado até 31 de dezembro pelo ministério, a prefeitura ou governo estadual tem anos para executá-los.
- Folha/UOL
- Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

