Poder Judiciário quer implementar “tolerância zero” a crimes contra a população LGBTQIAPN+
Junho é reconhecido como o Mês da Diversidade e do Orgulho LGBTQIAPN+: lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais, pansexuais, não-binários e outras identidades não listadas diretamente, representadas pelo ‘+’. Este é um período dedicado à conscientização sobre a luta contra a discriminação e no dia 28 deste mês é celebrado o ‘Dia Internaiconal do Orgulho Gay’. Infelizmente, os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que no ano passado 214 pessoas LGBTQI+ foram vítimas de homicídio no Brasil. Isso representa um aumento de 41,7% em relação ao período anterior.
Na Paraíba, o Relatório de Acompanhamento dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) mostra que entre os anos de 2017 e 2023 a Paraíba registrou 73 casos de mortes violentas da população LGBTQIAPN+. Segundo o juiz da 1ª Vara Mista da Comarca de Monteiro e doutorando na Universidade de Salamanca sobre o Protocolo Brasileiro para Julgamento com Perspectiva de Gênero, Nilson Dias de Assis Neto, o Poder Judiciário brasileiro tem consolidado avanços significativos em prol dos direitos desse grupo de pessoas.
“A perspectiva institucional do Judiciário é implementar tolerância zero à discriminação. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) adotou o ‘Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero’, orientando magistrados a considerar as questões de gênero e sexualidade em seus julgados e tornando obrigatória a capacitação em direitos humanos, gênero e raça para membros da magistratura”, comentou o magistrado, que é professor com Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional e Direito Civil e mestrado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona (UB).

Ele informou, também, que o CNJ determinou que nenhum candidato à adoção seja preterido em razão de formar um casal homoafetivo ou transgênero, vedando expressamente manifestações homofóbicas em processos de adoção. Nilson Dias acumula os cargos de coordenador adjunto de EaD da Escola Superior da Magistratura da Paraíba (Esma) e juiz auxiliar temporário no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
As estatísticas ainda registraram 2.090 casos de crimes motivados por homofobia ou transfobia, tipificados na Lei de Racismo, evidenciando a prevalência da violência de ódio contra essa comunidade. O Brasil lidera tragicamente as estatísticas globais de violência letal contra essa população e o país que mais mata pessoas trans no mundo, há vários anos, ressaltando a urgência de ações efetivas de enfrentamento a esse tipo de crime.
No Supremo Tribunal Federal (STF), jurisprudências históricas têm garantido a cidadania plena da população LGBTQIAPN+. Em 2011, o STF reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, afirmando que a Constituição não limita o conceito de família a casais heterossexuais. Em 2018, assegurou-se às pessoas transgênero o direito à retificação de prenome e gênero em registros civis independentemente de cirurgia ou tratamentos médicos, em respeito à identidade de gênero e à dignidade do ser humano.
E em 2019, diante da omissão legislativa, o STF decidiu que a LGBTfobia (compreendendo homofobia e transfobia) passa a ser juridicamente equiparada ao crime de racismo, aplicando-se a Lei Federal 7.716/1989 às condutas discriminatórias motivadas por orientação sexual ou identidade de gênero. Tais marcos jurídicos, alinhados aos compromissos internacionais de direitos humanos, reforçam o dever do Estado – e em especial do Poder Judiciário – de promover a igualdade, proteger as minorias vulneráveis e garantir a todos os cidadãos o pleno exercício de seus direitos, sem preconceitos.
Crime de LGBTfobia – De acordo com o juiz Nilson Dias, o crime de LGBTfobia caracteriza-se por qualquer ato motivado por preconceito ou ódio contra pessoas LGBTQIAPN+ – isto é, contra alguém em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Na prática, são condutas que violam direitos ou colocam a vítima em posição de inferioridade simplesmente por ela ser quem é. Exemplos incluem agressões físicas ou verbais motivadas por homofobia/transfobia, ameaças, humilhações públicas e negativas de serviço ou emprego em razão da orientação/identidade da pessoa.
“Do ponto de vista legal, desde 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) enquadrou essas condutas na definição dos crimes de racismo. Se a vítima ‘teve qualquer direito violado e foi tratada de forma diferente apenas por conta de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero, tal ato configura LGBTfobia e é crime no Brasil. Em outras palavras, homofobia e transfobia passaram a ser considerados delitos equiparados ao racismo, o que os torna crimes imprescritíveis e inafiançáveis, conforme previsto na Constituição”, explicou o magistrado.
Essa equiparação jurídica, continua o juiz, é resultado da decisão do STF na ADO 26 e serve como uma resposta à gravidade da violência e da discriminação sofridas por essa comunidade, afirmando que o Estado Democrático de Direito não tolera ataques a pessoas LGBTQIAPN+ apenas por sua condição. “Assim, caracteriza crime de LGBTfobia qualquer comportamento doloso que, motivado por preconceito contra LGBTQIAPN+, fira a integridade, a dignidade ou os direitos da vítima, sujeitando o autor às penalidades cabíveis na lei”, destacou.
Infelizmente, a LGBTfobia se manifesta de diversas formas na sociedade brasileira – algumas visíveis e outras mais veladas. A forma mais extrema é a violência física, que inclui agressões e homicídios motivados por ódio à orientação sexual ou identidade de gênero da vítima. O Brasil registra um número alarmante de mortes de pessoas LGBTQIAPN+ a cada ano, liderando tragicamente as estatísticas globais de violência letal contra essa população.
Mas a LGBTfobia também assume formas cotidianas, como agressões verbais, xingamentos e piadas de teor homofóbico/transfóbico, que disseminam o ódio e intimidam as vítimas. Outra forma comum é a discriminação em ambientes institucionais: por exemplo, pessoas LGBTQIAPN+ muitas vezes são preteridas em vagas de emprego ou oportunidades de promoção simplesmente por preconceito; ou sofrem tratamento diferenciado e vexatório em serviços de saúde, repartições públicas, estabelecimentos comerciais e até no seio familiar. O bullying homotransfóbico nas escolas é também uma manifestação perniciosa, afetando jovens e adolescentes – casos em que apelidos pejorativos, isolamento e até agressões contra alunos LGBTQIAPN+ ocorrem, prejudicando seu desenvolvimento escolar e psicológico.
Há ainda a LGBTfobia institucional ou estrutural, quando normas ou práticas de instituições acabam por excluir ou invisibilizar essa população – por exemplo, planos de saúde que negavam incluir companheiros do mesmo sexo (algo já considerado ilegal), ou formulários e banheiros que não contemplavam identidades trans (questão que vem sendo corrigida por decisões recentes). Discursos de ódio e incitação à violência, inclusive nas redes sociais, representam outra forma de LGBTfobia presente hoje, muitas vezes mascarados sob a alegação de ‘opinião’ ou ‘convicção religiosa”, mas que extrapolam a liberdade de expressão e incidem em ilegalidade quando atentam contra a dignidade de um grupo.