Milho, Tradição e Fartura: a alma do São João de João Pessoa é servida à mesa
Da colheita ao cuscuz, da fogueira ao afeto: gastronomia junina movimenta economia, fortalece memórias e preserva identidade cultural da capital paraibana
Junho chegou e, com ele, João Pessoa se transforma em um grande arraial. Pelas ruas, o cheiro de milho assado toma conta do ar. Nas feiras e cozinhas, panelas fervem em ritmo de tradição. Mais do que festa, o São João pessoense é um ato de resistência cultural — e a gastronomia típica é o elo entre o passado e o presente, entre o sustento do campo e o calor das celebrações urbanas.
Com o milho como protagonista, receitas como pamonha, canjica, mungunzá, cuscuz, bolo de milho e rubacão são muito mais que pratos: são heranças afetivas que atravessam gerações. “Quando enfeitamos a mesa, o pessoal já entra no clima. É cultura que contagia”, afirma a quituteira Aldilene Martins, do bairro Valentina.
Além do sabor, cada prato traz consigo uma história. A pamonha exige cuidado, paciência e técnica passada de mãe para filha. O bolo de macaxeira ganha outro sabor quando sai do forno a lenha. A cocada precisa do ponto exato do açúcar para não queimar. Esses rituais culinários sustentam não apenas corpos, mas também memórias.
Colheita antecipada garante fartura
Para que a fartura chegue às mesas em junho, o trabalho começa muito antes. Agricultores da Zona Sul de João Pessoa, apoiados pelo programa Eu Posso Semear da Prefeitura, iniciam o plantio do milho ainda em fevereiro. Em 2025, foram colhidas cerca de 20 toneladas do grão, que abastecem feiras livres, mercados públicos e eventos culturais da cidade.
“Plantamos cedo para que a espiga amadureça no tempo certo. Mesmo com uma produção menor, vai ter milho suficiente para as comidas típicas”, explica Adriano Vasconcelos, diretor de Agricultura Familiar da Sedest.
Produtor da região de Ponta de Gramame, Joselito Severino, conhecido como Doda, afirma que a venda direta ao consumidor garante maior lucro e vínculo com o público. “A gente vende na feira, sem atravessador. Tudo orgânico, tudo nosso”, orgulha-se.
Feiras e mercados fervilham com o sabor da tradição
No Mercado Central de João Pessoa, o clima é de correria — e celebração. “Já saí daqui às três da manhã para dar conta. Todo mundo quer milho: para bolo, para pamonha, para assar”, conta o feirante João Sinésio, há 30 anos no ramo. Com a alta demanda, a tradicional “mão de milho” (52 espigas) chegou a ser vendida por R$ 60.
Quituteiras como Maria da Luz, do bairro Costa e Silva, e Maria José, da Feira de Economia Solidária, garantem que as encomendas dobram no período junino. “É cultura que alimenta e gera renda”, diz Maria José, que tem no rubacão seu carro-chefe.
A Feira, organizada pela Prefeitura no CAM e no Parque Parahyba I, reúne mais de 50 grupos de produtores. “Todo o lucro é deles. Nós garantimos estrutura e logística”, afirma Karla Vieira, coordenadora do evento.
Uma celebração que une paladar, memória e renda
Segundo a feirante Sandra Alves, canjica e pamonha continuam imbatíveis nas preferências. “Nossa gastronomia é identidade. Deveria ser valorizada o ano inteiro”, reforça. A cliente Regina Dantas, frequentadora assídua dos mercados, diz que, mais do que preço, busca memória: “No fim, é o milho da infância que a gente quer”.
E é essa memória coletiva que mantém viva a chama do São João. Da roça à feira, da mesa à emoção, o ciclo junino envolve agricultores, feirantes, cozinheiras e consumidores. Como resume Doda, o agricultor: “É do roçado direto para o coração do povo”.
Em João Pessoa, o São João não está apenas nas bandeirolas e nos palcos — está no cheiro da comida, nas mãos que preparam, nas histórias que aquecem. E enquanto houver milho, haverá festa.
Fotos: Quel Valentim e Kleide Teixeira