quinta-feira, junho 12, 2025
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ESPECIAL – Improbidade administrativa: Cinco mil processos estão pendentes na Paraíba

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que a Paraíba possui 4.996 processos pendentes relacionados à improbidade administrativa. Distribuídas entre as esferas Estadual, Federal e Eleitoral, de janeiro a abril deste ano, 222 novas ações foram iniciadas e 353 foram remetidas para outros órgãos/instâncias ou arquivadas definitivamente. No mesmo período, 455 processos foram levados a julgamento.

A improbidade administrativa é definida como uma conduta ilegal, responsável por causar danos à administração pública. Essas práticas são previstas pela Lei no 8.429/92, conhecida como Lei da Improbidade Administrativa (LIA), que sofreu significativas alterações em 2021.

Entender a LIA é fundamental para a compreensão do que não deve ser realizado por gestores públicos. A probidade está relacionada com a qualidade de ser probo, em outras palavras, tem a ver com a honestidade e a integridade. Quando pensamos na administração pública, a probidade diz respeito a uma gestão que honra os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Logo, a improbidade administrativa se refere a condutas de agentes públicos com má-fé e desonestidade no cumprimento de suas funções.

Em 2021, a Lei no 14.215 alterou a LIA e, entre as mudanças, introduziu o dolo específico — ao contrário do dolo genérico previsto na lei anterior —, além de suprimir artigos relacionados ao desvio de finalidade e à prevaricação. Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu liminarmente diversos dispositivos da nova lei, a partir de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) envolvendo 36 dispositivos da LIA.

Em 2024, o julgamento da liminar foi iniciado pelo plenário da Suprema Corte e, em seguida, suspenso, devido ao pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Em abril, o julgamento foi retomado, mas acabou sendo suspenso novamente, por requisição do ministro Edson Fachin. O desembargador Aluizio Bezerra, do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), manifesta preferência pelo dolo genérico, considerando-o suficiente em muitos casos, embora reconheça que a nova lei trouxe avanços na segurança jurídica, como os limites e critérios para indisponibilidade de bens dos acusados. “Primeiro, você tem que ir ao patrimônio para depois chegar à conta-corrente.

A lei estabeleceu que [o equivalente a] até 40 salários mínimos não pode ser penhorado, indisponibilizado, até porque o agente precisa sobreviver, seja quem for”, pondera. O desembargador aponta como um retrocesso a supressão dos incisos relativos ao desvio de finalidade e à prevaricação — esvaziando a aplicação de princípios como legalidade, moralidade e eficiência —, assim como a supressão do abuso de poder e de autoridade. “Não tem na lei, mas tem na Constituição. Então, é um contrassenso da lei inferior, esvaziando a lei maior”, defende. De acordo com o presidente do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB), Fábio Nogueira, as alterações defnidas em 2021, principalmente com a exigência de dolo específico, reduziram significativamente o número de condenações.

“O grande argumento era que nem sempre um equívoco ou uma irregularidade tinha o condão de atrair para o gestor o dolo. O legislador entendeu que era necessário mudar. De fato, as condenações em face de improbidade administrativa diminuíram consideravelmente, mas, quando o dolo é claro, o bom senso sempre há de prevalecer nas decisões”, observa.

O professor de Direito Tributário Alex Taveira, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), avalia a mudança de forma mista: positiva — por punir gestores com intenção dolosa —, mas também negativa — por dificultar a comprovação do elemento subjetivo. “Não é fácil provar que havia ali a intenção de praticar aquela conduta”, justifica.

 

PREJUÍZO AO ERÁRIO

A responsabilidade pela fiscalização das contas públicas fica a cargo dos órgãos de controles interno — como as Controladorias — e externo — como o Ministério Público e os Tribunais de Contas —, mas qualquer cidadão pode ingressar com uma ação popular se verificar que o ato de um gestor público fere o patrimônio público.

É importante salientar que não há foro privilegiado nos casos de improbidade, sendo os julgamentos realizados em Primeira Instância, com possibilidade de recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). A legislação define três categorias de atos de improbidade: enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atentado aos princípios da administração pública.

O professor de Direito Tributário Alex Taveira explica que o enriquecimento ilícito ocorre quando um agente público beneficia-se financeiramente de um ato praticado no exercício de um cargo público. O prejuízo ao erário, por sua vez, é configurado quando a conduta do agente gera dano direto ao patrimônio público. Finalmente, entre as violações aos princípios da administração pública, está o favorecimento de determinado candidato em um concurso público, por interferência do gestor — ato que fere o princípio da impessoalidade.

“O gestor vai lá e mexe os ‘pauzinhos’ para que essa pessoa seja classificada, em detrimento dos outros administrados. Fere, então, o princípio da impessoalidade, tratando de forma pessoal algo que não deveria ser tratado, pois a administração pública deve tratar a todos de maneira impessoal”, exemplifica o especialista.

O desembargador Aluizio Bezerra aponta que o prejuízo ao erário é a espécie de improbidade administrativa mais frequente entre as ações analisadas no TJPB. Geralmente, os processos em questão tratam de licitações com dispensa indevida, superfaturamento, sobrepreço e fraudes. Nas ações relacionadas a enriquecimento ilícito, as práticas mais recorrentes são as de abuso de recursos públicos e contratação de “servidores fantasmas”.

Como forma de prevenção aos atos de improbidade, o magistrado defende a implementação de setores de Controle Interno em prefeituras, com normas de compliance e fiscalização constante, assim como a criação de varas especializadas em improbidade. “Sempre defendi uma vara especializada só em probidade. Cada tribunal, a meu ver, deveria ter uma unidade judiciária com dois juízes, um para julgar os processos pares e o outro, ímpares, para não ficar na mão de um só. Então, isso daria maior agilidade na tramitação desses processos e rapidez na conclusão deles”, sugere.

As penas para atos de improbidade administrativa incluem suspensão dos direitos políticos; perda da função pública; indisponibilidade de bens; ressarcimento ao erário; e multa. A nova lei trouxe alterações nas sanções, como aumento dos prazos de suspensão ou proibição de contratar com o Poder Público, além de maior flexibilidade para a aplicação de penas.

 

ACÕES PREVENTIVAS

O Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB) é responsável pelo controle externo das contas públicas dos municípios. Com suas auditorias, representa um importante instrumento para análise de atos de improbidade.

O presidente do órgão, Fábio Nogueira, ressalta que a Corte “julga contas e não pessoas”. Ele salienta que o Tribunal adota uma postura preventiva, oferecendo cursos de capacitação a gestores, além de emitir alertas sobre possíveis irregularidades, permitindo correções antes que danos ao erário sejam efetivados.

“O controle externo moderno contemporâneo atua de forma preventiva, concomitantemente com a emissão, por exemplo, de alertas, chamando a atenção do gestor quando eventualmente surgir uma possível irregularidade. Ou seja, o gestor, tempestivamente, ao receber um alerta, tem as condições necessárias de fazer a correção, evitando, assim, um dano ao erário, um julgamento, uma futura responsabilização”, pontua Fábio Nogueira. Barreiras A falta de uma equipe qualificada tecnicamente pode ser um desafio para o pleno cumprimento da LIA, devido à sua complexidade. Dessa maneira, os municípios de menor porte podem apresentar maiores dificuldades, visto que tendem à falta de uma equipe especializada.

Na Paraíba, segundo dados do Plano Estadual de Assistência Social 2020–2023, elaborado pela Secretaria do Desenvolvimento Humano, 213 municípios são classificados como de pequeno porte, com uma população de até 50 mil habitantes, cada um. Contudo, o presidente do TCE-PB destaca que o tamanho do município não justifica o desconhecimento da legislação, dada a facilidade de acesso a informações.

“Hoje, os instrumentos da tecnologia proporcionam o acesso à jurisprudência; aos acórdãos; às decisões não só dos tribunais de contas, mas também dos tribunais judiciais; e aos pareceres do Ministério Público, de maneira que o fato de ser um município de menor porte não o credencia a não se preparar para o exercício pleno de uma missão tão nobre como é a missão de gerir a coisa pública”, adverte Fábio Nogueira.

O TCE-PB utiliza diferentes tecnologias para ajudar no controle externo, entre elas estão os sistemas de inteligência artificial, os robôs e as plataformas on-line. Exemplos disso são o Ajunta, sistema que auxilia na identificação de possíveis fraudes em licitações, e o Turmalina, robô que fica de olho na fiscalização.

O Tribunal também usa a plataforma Sagres Cidadão, que permite ao público acompanhar de perto os gastos públicos. Assistência Além disso, a Federação das Associações de Municípios da Paraíba (Famup) atua no assessoramento e na representação política e institucional de prefeituras, com o objetivo de “formar parcerias e criar condições para que os municípios possam desenvolver as ações necessárias ao exercício da plena cidadania”.

Um dos principais desafios, apontados pelo presidente da instituição, George Coelho, consiste na qualificação e no treinamento das equipes técnicas das gestões municipais. Pensando nesse entrave, a Escola de Gestão da Famup oferece cursos de formação voltados a agentes públicos municipais. A escola foi criada em março e funciona por meio de convênios com os municípios, oferecendo cursos a partir das demandas locais. Conforme o coordenador acadêmico da escola, Arnaldo Escorel Júnior, o primeiro curso, com 60 horas de duração, abordou o controle interno municipal e foi oferecido, gratuitamente, a mais de 300 participantes, indicados, exclusivamente, pelas prefeituras. O curso foi concluído neste mês e possui certificação pelo Ministério da Educação (MEC).

 

Texto de Paulo Correia para o Jornal A União deste domingo, 8/6

Ilustração: Bruno Chiossi/Jornal A União/Reprodução

Foto inserida no texto: Tima Miroshnichenko/Pexels

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