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Cresce movimento pela criação de Reserva Extrativista no Rio Paraíba

Um sonho vem mobilizando representantes de entidades da sociedade civil e órgãos públicos do estado, bem como pesquisadores, marisqueiras e pescadores do Litoral paraibano: a transformação do estuário do Rio Paraíba em uma Reserva Extrativista (Resex).

As Resexs são áreas determinadas por lei que visam proteger meios de vida e cultura das populações locais para uso sustentável de seus recursos naturais. A mobilização para tornar esse projeto possível teve início no começo deste mês, durante o 1o Seminário de Reservas da Pesca no Estuário do Rio Paraíba, realizado no Campus Cabedelo do Instituto Federal da Paraíba (IFPB).

Na ocasião, após debates sobre o tema “Meio Ambiente, Trabalho, Renda e Pescado na Mesa”, os presentes seguiram com indicativos de um mapeamento social de pescadores e marisqueiras do estuário do rio, com o objetivo de demandar um Termo de Autorização de Uso Sustentável (Taus) junto à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) — passo considerado importante para a meta de tornar a região uma Resex.

O Rio Paraíba tem 380 km de extensão, banha mais de 30% do território do estado e abrange cerca de 50% da população paraibana. O seu estuário, ou seja, o local em que as águas encontram o Oceano Atlântico, é formado por manguezais e ilhas e alcança cinco municípios: João Pessoa, Bayeux, Cabedelo, Lucena e Santa Rita. Essas características o tornam um ecossistema fundamental para a vida de moluscos, peixes e aves, além de ser fonte de sustento para pescadores e marisqueiras, que mantêm atividades de economia local há gerações.

No entanto, a situação do estuário do Rio Paraíba tem sido dramática, conforme aponta o ambientalista e professor dos cursos de Meio Ambiente e Biologia do IFPB, Rogério Bezerra, e um dos coordenadores do seminário. Segundo ele, os maiores problemas são gerados pelo avanço das atividades humanas, como fazendas de criação de camarão, produção canavieira, lançamento de esgoto bruto e de lixo, urbanização das áreas às margens do rio e sua supressão, com a instalação de bares e casas, atividades náuticas desportivas e comerciais, atividades portuárias e obras de construção civil.

“Hoje, a gente considera que quase todo o estuário do rio e a pesca artesanal estão na UTI [Unidade de Terapia Intensiva]. O aumento de detritos, a supressão de áreas de mangue, a quantidade de areia e sedimentos levantados pelas obras na região, os novos bares e construções: tudo gera muito esgoto, que é jogado bruto, e isso é muito impactante. [Falamos de] um conjunto de grandes empresas, indústrias, e também tem o pessoal que tem fazenda de camarão e produção canavieira. Todas essas atividades liberam rejeitos e causam avanços sobre áreas que seriam das margens do rio”, explica.

Segundo o pesquisador, essas atividades têm resultado na redução drástica das formas de vida presentes, como os estoques de caranguejo e camarão. Além disso, podem impedir a entrada de espécies oceânicas para reprodução e afetar toda uma cadeia de consumo, produção e vida nos mangues. “Há uma conexão entre esses elementos todos. O impacto é imenso, grandioso e coloca em risco, de um lado, a função biológica, ecológica e até planetária dos manguezais, o que a vegetação e o conjunto ecológico representam, e também as atividades humanas que estão ao redor”, analisa Bezerra.

 

Atividade pesqueira sofre maior impacto

Os principais afetados nessa questão são pescadores e marisqueiras, que vivem do que fisgam e coletam do rio, e têm-se deparado com a maior indisponibilidade do pescado na região e com a diminuição do campo de atuação. Antes, a pesca artesanal ocorria em todo o estuário, mas, hoje, acontece em trechos descontínuos.

“Diminuiu, talvez, 50% do nosso pescado. Tem gente deixando de pescar ou que precisa trabalhar em outra coisa. Algumas pessoas são da área da pesca, mas, às vezes, fazem uma faxina, vão catar reciclagem e, quando vem a hora da maré, vão ao rio, nunca deixam de ir. Mas acontece que a renda não está dando para sobreviver e dar de comer à família, pagar água e luz. Tem os que pagam aluguel também”, denuncia o pescador e presidente da Associação de Pescadores e Marisqueiras do Renascer, em Cabedelo, José Gomes, mais conhecido como Zezinho.

O pescador começou o ofício ainda no interior do estado, onde nasceu. Acompanhava pai e irmãos, que tiravam parte do pescado para alimentação e comercializavam o restante. Quando chegou a João Pessoa, aos 17 anos (hoje, tem 70), morou no bairro Mandacaru, trabalhou como garçom, mas seguia na pesca, nos entornos do Renascer e de outras comunidades, praias e ilhas do estuário. Depois, largou de vez o que fazia, comprou um barco, assumiu a moradia na comunidade e passou a viver da atividade. Nos últimos 25 anos, essa tem sido sua principal ocupação.

“Pescava muito naquela época, muita ostra, sururu, unha-de-velho, peixes que não existem mais [no estuário do Rio Paraíba]. O amoré, com problemas de poluição, dragagem do rio, desapareceu, porque aterraram os buracos em que vivia e ele morreu”, comenta Gomes.

O presidente da associação conta que, antigamente, pescadores voltavam com até 60 kg de pescado. Hoje, porém, se alguém retorna com 10 kg, é considerado um herói. “Esse rio era uma riqueza para nós que vivíamos da pesca. A gente dizia: ‘hoje não sei se como siri mole ou camarão ou ostra’. Hoje em dia, não existe mais nada. Está uma situação de calamidade. Até o tamaruzinho, um tipo de camarão que fica na lama, enterrado, que sai quando a gente bate o pé, não existe mais. É raro ter. Batalhei muito com as autoridades para ver se a gente socorre não só esse rio, mas todos os rios que estão nessa situação de calamidade. Uns já morreram e outros estão na UTI”, lamenta.

 

Uso sustentável do espaço

Diante do agravamento da situação do estuário do Rio Paraíba, da perda de territórios pesqueiros pelo avanço imobiliário, da escassez de peixes e mariscos e da poluição de esgotos e dejetos jogados, a solução encontrada é a transformação desses trechos pesqueiros em Reservas Extrativistas. Nesse sentido, o estuário seria transformado em um ambiente público, com uso concedido às populações extrativistas e incentivo a pesquisas científicas. Também ganharia um plano de manejo, para que haja manutenção responsável e sustentável do espaço.

Esse processo pode passar por qualquer um dos entes federados, como municípios, estados e a União, sendo regido pela Lei no 9985/2000 e pelo Decreto no 4340/2002. Nesse caso, uma lei de criação da Resex precisa ser apresentada e votada na Câmara de Vereadores, na Assembleia Legislativa da Paraíba ou na Câmara de Deputados, a depender da esfera federativa na qual o projeto será conduzido.

“A gente espera que os órgãos ambientais nos ajudem, porque, depois que tiver formado essa reserva, vai melhorar a situação do rio. Essas coisas vão diminuir a poluição e, com certeza, o peixe vai voltar a brotar novamente, vai voltar o que ele era. Mas, para isso acontecer, é uma luta muito grande, não é da noite para o dia. Até porque, ao longo do tempo, a gente já vem batalhando”, comenta Zezinho.

Rogério Bezerra explica ainda que, estabelecidas as áreas de reserva, há políticas sociais, como o Bolsa Verde, e políticas de proteção que ajudam a separar áreas de uso e não deixar acontecer a invasão por atividades náuticas, desportivas ou de construção. Por outro lado, os planos de manejo vão ajudar na recuperação ecológica e ambiental do rio. “Depende de um esforço grande, desde saneamento básico até fiscalização das atividades que têm avançado sobre as margens do rio, do lançamento de detritos, e das ocupações em geral”, finaliza.

 

Texto de Emerson da Cunha para o Jornal A União deste domingo, 20/7

Foto: João Pedrosa para o Jornal A União

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