Derrubado por onda gigante, Carlos Burle diz ter ativado “modo sobrevivência”
Aos 58 anos, o pernambucano Carlos Burle viveu provavelmente uma das experiências mais marcantes de sua vida ao quase se afogar na Praia do Norte, em Nazaré, na última quarta-feira (3). É onde surfistas do mundo todo encaram as maiores ondas do planeta.
Pioneiro no surfe de ondas gigantes e também palestrante, Burle sabe que Nazaré representa um perigo real para quem enfrenta os “tsunamis” formados pelo famoso Canhão de Nazaré. Ele só não imaginava que, desta vez, seria ele o protagonista de um dos maiores sustos da temporada.
“Um episódio desses me faz ver como a vida é valiosa e somos vulneráveis. Esse sentimento de vulnerabilidade não pode nos parar, precisa seguir como estímulo, mesmo que signifique correr riscos. Essas situações trazem muito aprendizado, em situações de extremo”, disse à Folha.
No dia do acidente, Burle estava tão confiante que entrou na onda segurando uma máquina digital. Empolgado ao ver se aproximar uma parede de água superior a 20 m —equivalente a um prédio de sete andares—, lançou-se sobre ela. Ficou cerca de sete segundos em pé na prancha, até que a força da crista o derrubou. Ali começava o seu momento mais dramático, o que definiu como “o maior caldo da vida”.
Burle escapou da morte graças à precisão do trabalho em equipe. No “tow-in surfing”, enquanto um atleta é rebocado por um jet ski para entrar na onda, outro integrante do time permanece preparado para executar resgates imediatos. Do lado de fora, especialistas —os chamados “spotters”— acompanham tudo por rádio, indicando as melhores ondas e orientando sobre os pontos exatos para intervenções. Essa engrenagem coordenada é fundamental para reduzir riscos e tornar a prática das ondas gigantes mais segura.
“O pior momento foi quando eu tomei a terceira onda, foi a que me deixou fora do meu sentido de espaço. Comecei a sentir falta de ar, pressão no pulmão. Quando o Lucas me puxou, perguntou: ‘Tá tudo bem?’. Mas eu gritei: ‘Não, eu estou muito mal’. Ele perdeu o controle, o jet ski virou. Eu sabia que precisava ficar vivo, estava no modo sobrevivência, sabia que em algum momento alguém chegaria”, relatou.
Foi a chegada do sergipano Will Santana que concretizou o resgate. O surfista puxou Burle e Chumbo para o “tow sled”, uma plataforma flutuante de borracha ou espuma que fica presa na traseira do jet ski para resgates. Will também já teve seus sustos em Nazaré. Em fevereiro, foi engolido por uma onda gigante, na época em que a tempestade Hermínia provocou temporais na Europa, e precisou ser socorrido.
Burle foi levado para a areia em estado crítico. Ali recebeu o primeiro atendimento, antes de ser encaminhado a um hospital local. Filha do surfista e recém-formada em medicina, Iasmim acompanhou o resgate aos prantos.
“Cheguei perto ainda muito nervosa, e ele já estava sentado, respirando com a máscara de oxigênio e coberto com uma manta de calefação. O Lucas estava chorando. Foi muito traumático. Meu pai é como se fosse o pai do Lucas também, nós sempre falamos isso. Já na ambulância estava bem, ele se recuperou rapidamente”, recordou Iasmim.
O veterano viajou para o Rio de Janeiro logo após o acidente e foi submetido a exames de tomografia nos pulmões e crânio. Não teve nenhuma sequela.
Ele é considerado um surfista histórico. Em 1998, foi campeão mundial de ondas gigantes no México. Em 2001, surfou uma onda de 22,6 m em Mavericks, na Califórnia, e recebeu menção no Guinness World Records.
O surfista foi treinador e formou dupla com Maya Gabeira por nove anos. Em 2013, ela sofreu uma queda em Nazaré e ficou inconsciente no mar, até ser resgatada justamente por Burle. Sete anos depois, ela quebraria o recorde mundial com a maior onda já surfada por uma mulher.
Em 2023, uma tantativa de resgaste não teve sucesso. O brasileiro Márcio Freire, 47, morreu após ter sofrido um acidente enquanto surfava na Praia do Norte. Ele foi levado por outros surfistas até a areia, onde os salva-vidas identificaram uma parada cardiorrespiratória, e não resistiu, apesar das tentativas de reanimação.
Segundo o ranking atual do Guinness, o alemão Sebastian Steudtner detém o recorde da maior onda já surfada no planeta, com 26,2 m, em 2020, em Nazaré. O brasileiro Rodrigo Koxa é quem aparece em segundo na listagem, com uma onda de 24,4 m em 2017. Já Maya quebrou o recorde feminino em fevereiro de 2020 ao surfar uma parede de 22,4 m no mesmo cenário.
O Canhão de Nazaré
A temporada de ondas gigantes em Nazaré geralmente ocorre entre outubro e março, durante período de fortes tempestades no Atlântico, o que gera ondulações poderosas rumo à costa. Esse fenômeno é amplificado pela peculiar formação geológica do Canhão de Nazaré.
Trata-se de uma imensa ravina submarina com aproximadamente 230 km de extensão e profundidade que ultrapassa os 5.000 m. Sua origem está ligada a movimentos tectônicos e ao processo de erosão acumulado ao longo de milhares de anos.
Quando as ondulações se intensificam, esse canhão serve como um propulsor que impulsiona as águas com extrema força. Por isso, não é sempre que ondas são registradas na região. Geralmente os surfistas acompanham sites e institutos que oferecem uma previsão mais exata do fenômeno.
Nazaré é uma vila portuguesa com cerca de 15 mil habitantes, uma região que foi profundamente transformada pelo turismo de surfe. A cidade ganhou projeção internacional em 2011, quando o surfista havaiano Garrett McNamara quebrou o recorde recorde mundial. Desde então, o comércio local prosperou, especialmente no setor gastronômico, impulsionado pelo grande fluxo de visitantes, principalmente, em dia de “big waves”.
Foto/capa: Surfista Carlos Burle é engolido por onda gigante em Portugal –



