Derrota do governo coroa dobradinha Motta-Alcolumbre e abre fase inédita em Lula 3
A derrota imposta ao governo pelo Congresso escancarou a aliança entre os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e impôs uma dinâmica com a qual Lula (PT) ainda não havia se deparado neste mandato.
Em um jogo combinado, Motta e Alcolumbre resolveram canalizar as reclamações que circulavam no Congresso contra o governo —inclusive deles próprios— e cancelar a alta nas alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
A parceria entre os dois presidentes abre uma frente inédita no governo Lula 3, que, até então, convivia com a animosidade entre o antecessor de Motta, Arthur Lira (PP-AL), e o de Alcolumbre, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e impõe riscos ao Executivo, se reeditada desta forma.
Uma jogada casada como a de Motta e Alcolumbre na quarta-feira (25), admitem parlamentares e assessores, era inimaginável entre a dupla anterior —com a qual Lula lidou nos dois primeiros anos deste mandato.
Um detalhe simboliza a nova fase do Congresso. Em 2019, Alcolumbre e o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, decidiram abrir um portão no muro que separa as duas residências oficiais para que pudessem se encontrar sem precisar acessar a rua.
Atritos entre os dois presidentes ao longo do governo Jair Bolsonaro (PL) fizeram com que a porta caísse em desuso. Ao final do mandato, Alcolumbre deixou a fechadura entre as duas casas não só trancada, mas também soldada. Depois dos quatro anos em que Lira e Pacheco ficaram à frente do Legislativo, a porta foi reaberta por Alcolumbre neste ano para facilitar o contato com Motta.
Integrantes do Congresso e dirigentes partidários apontam a derrota no IOF como a principal demonstração de força do novo comando das Casas, agora unido. De acordo com relatos, a iniciativa para a derrubada do decreto partiu de Motta, após conversa com poucos aliados. Quando relatou sua intenção a um deles, foi alertado para discutir o tema com Alcolumbre.
Da parte da Câmara, há insatisfação com a lentidão no pagamento de emendas e com o que veem como uma tentativa do governo de desgastar o Legislativo a partir do discurso de que parlamentares não colaboram com as contas públicas.
O presidente do Senado vem pedindo a demissão de Silveira há meses, mas a derrota do governo foi entendida como a mais aguda demonstração de força de Alcolumbre diante da demanda.
Alcolumbre reclamou a senadores mais próximos que o Congresso estava levando a culpa sozinho pelo esperado aumento na conta de luz, enquanto o governo saía com a imagem de salvador, ao articular uma medida para tentar reduzir o impacto no bolso dos brasileiros.
Sobre o IOF, parlamentares afirmam que, apesar de a derrubada ter partido de Motta, tratou-se de uma iniciativa conjunta e que, se Alcolumbre não estivesse tão insatisfeito com o Executivo, o presidente da Câmara não teria ido adiante.
O presidente da Casa encaminhou a publicação para o grupo de WhatsApp de líderes. Ouviu protestos e pedidos de políticos da base aliada para discutir o tema em reunião, mas ignorou as demandas.
O projeto do IOF foi aprovado com folga pelos deputados federais às 19h28, enquanto os senadores votavam o aumento no número de deputados federais. Às 20h04, Alcolumbre abriu a votação da derrubada do IOF.
“Reconhecendo o papel das lideranças do Senado, que compreenderam a importância de nós deliberarmos simbolicamente este decreto, mesmo sabendo que é, sim, uma derrota para o governo, mas foi construída a várias mãos, porque a Câmara deu uma votação expressiva, o Senado, num acordo, daria também uma votação expressiva”, disse.
Durante os dois anos em que lidou com Lira e Pacheco, Lula só testemunhou alguma “solidariedade” entre os dois presidentes na defesa de emendas parlamentares ou na votação de projetos que eram de interesse do próprio governo federal, como o pacote de corte de gastos.
No fim de 2023, após uma rápida troca de elogios na promulgação da reforma tributária, Pacheco disse que ele e Lira não tinham nenhum problema pessoal, mas emendou: “Não pode haver uma cumplicidade absoluta entre os presidentes das Casas porque isso diminui o Parlamento”.
Folha/UOL