Contrariando expectativas, Câmara sob Motta decepciona governo, e apoio a Lula tem leve queda
Petistas contavam os dias para o fim da era Arthur Lira e acreditavam que Planalto teria vida mais fácil na nova gestão
O primeiro semestre da gestão de Hugo Motta (Republicanos-PB) como presidente da Câmara teve uma leve redução no governismo da Casa, contrariando expectativas de petistas que, meses atrás, aguardavam o fim do mandato de Arthur Lira (PP-AL). A avaliação era que o governo teria vida mais fácil nas votações.
Deputados de seis partidos da base aliada avaliaram, publicamente ou de forma reservada, que a perda de votos do Executivo se deve mais a movimentos do governo Lula (PT) do que ao comportamento do presidente da Câmara.
A maioria desses parlamentares apontou uma deterioração geral no clima político, e um deles argumentou que não há grandes dificuldades para o Executivo, apesar da variação dos números.
Entre articuladores do governo, a avaliação é que a relação com Motta é boa e enfrentou um estresse pontual com as discussões sobre o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
A taxa de governismo calculada pela Folha com base nas votações nominais da Câmara no primeiro semestre de 2025 ficou ligeiramente abaixo dos resultados dos mesmos períodos em 2023 e 2024 —quando o presidente da Casa era Lira.
Neste ano, 66,9% dos deputados votaram de acordo com a orientação dada pelo governo nas votações nominais do plenário. Nos anos anteriores, esses percentuais foram de 68,1%, em 2023, e de 69,2%, em 2024.
A cifra não significa que o governo tenha o apoio consistente de dois terços do plenário. O percentual capta apenas as posições tomadas nas votações –depois que os projetos são modificados para ampliar o consenso sobre o tema.
Além disso, o governo nem sempre dá uma orientação de voto no plenário, principalmente quando há divisão na base aliada. Nesses casos, os líderes governistas costumam liberar as bancadas —tática usada para não expor rachas, principalmente quando não se considera essencial marcar posição.
Lira é tido como um dos presidentes da Câmara mais poderosos do passado recente e foi um dos principais aliados da gestão Jair Bolsonaro (PL). Era considerado um negociador duro, que dava vazão a demandas de grupos políticos que não apoiam Lula, embora também avançasse com propostas de interesse do atual governo, como a reforma tributária.
Dessas características derivavam as expectativas que petistas e aliados de Lula verbalizavam reservadamente quanto ao fim da gestão Lira.
O motivo mais citado pelos deputados ouvidos pela reportagem para a leve redução no governismo foi a pauta e o discurso do próprio Executivo, que tomou uma posição mais à esquerda no fim do primeiro semestre, enquanto o Congresso tem maioria conservadora.
Ao mesmo tempo, alguns aliados de Lula passaram a acusar o Legislativo de defender milionários em detrimento da maioria da população.
“O governo colocou pautas que não dava para colocar de qualquer maneira, como o IOF”, disse o líder do PDT, Mário Heringer (MG). “Jogar o Congresso contra a população no discurso de rico contra pobre também pesou no comportamento das bancadas”, declarou o pedetista.
A demora no pagamento de emendas parlamentares —frações do Orçamento cujos destinos congressistas têm o direito de decidir— também foi apontada como motivo para a redução no percentual de votos governistas no primeiro semestre de 2025.
A distribuição dos recursos foi questionada no STF (Supremo Tribunal Federal). Além disso, a aprovação do Orçamento só em março deste ano atrasou os pagamentos.
“Motta tem um perfil muito menos governista que Lira, que contribuía muito mais com a agenda do governo”, disse o primeiro vice-líder da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ).
O líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), disse que não há maiores dificuldades para Lula na gestão Motta em comparação com os anos de Arthur Lira. “O que está acontecendo é mais diálogo. A presidência do Hugo é mais democrática e previsível”, declarou Isnaldo.
Motta afirmou, por meio de nota, que bons projetos avançam e que a Câmara é contra aumento de impostos, daí os votos contra a alta no IOF. Ele declarou que as emendas não são condicionantes para as deliberações.
Sobre ter sido eleito por forças políticas diversas e precisar fazer acenos à oposição, o presidente da Câmara disse que a aprovação de propostas não depende exclusivamente dele e que a diversidade beneficia os debates na Casa.