Chimamanda Adichie abre Bienal do Livro com Taís Araujo e tradução caótica
Era o momento de maior destaque da abertura do evento carioca. Quase às oito da noite, a atriz Taís Araujo apareceu atarantada com um vestido branco, cabelo preso num coque, confessando como estava honrada em “ter a chance de conversar com uma mulher que tem a mesma idade” que ela “e conversa tanto com a contemporaneidade”.
Mas as dificuldades da palestra mais esperada e divulgada da Bienal não pararam na demora para começar. A tradução prevista pelo evento deu problema —o que fez com que a própria Taís tivesse que improvisar e traduzir ao público ela mesma o que Chimamanda estava respondendo em inglês, além do trabalho de mediação que tinha sido convidada para fazer.
As coisas entraram mais nos eixos quando a editora da nigeriana na Companhia das Letras, Stéphanie Roque, assumiu de supetão a função de tradutora e a autora fez uma saudação a Taís. “Toda vez que uma mulher negra rompe barreiras como você fez, eu me sinto pessoalmente orgulhosa”, afirmou para uma plateia que já estava numa mistura de êxtase e nervosismo.
Chimamanda disse que escrever, para ela, é uma necessidade. “Não vejo a escrita como uma carreira, mas como uma vocação. Eu realmente acredito que meus ancestrais me deram esse dom de escrever. Tenho muita sorte de ser lida, mas mesmo se eu não tivesse esse público maravilhoso, eu ainda ia estar lá escrevendo em algum lugarzinho escondido.”
Mais tarde, elas ressaltaram a comunidade de mulheres que se reforçam em clubes de leitura e dividindo experiências de escrita para entender seu lugar no mundo. “Os homens deveriam ler mais”, apontou a escritora, para diversão de uma plateia muito feminina. “Muitos dos problemas do mundo seriam solucionados se os homens lessem mais.”
A nigeriana é um dos maiores nomes da literatura global hoje, tendo ganhado fama com obras como “Meio-Sol Amarelo”, “No Seu Pescoço” e seu maior best-seller, “Americanah” —além de uma palestra famosa na plataforma TED sobre “os perigos de uma história única”. Após dez anos de hiato na ficção, ela lançou há três meses o romance “A Contagem dos Sonhos”.
A nova obra entrelaça a história de quatro amigas, entre a Nigéria, a Europa e os Estados Unidos, de personalidades bastante distintas —a autora destacou seu afeto por Kadiatou, inspirada numa imigrante real que foi vítima de um escândalo público ao ser abusada sexualmente por Dominique Strauss-Kahn, então diretor do FMI.
O começo do evento atrasou, como tinha atrasado uma entrevista coletiva dada por Chimamanda a um grupo de jornalistas logo antes. Segundo sua assessoria, ela ficou presa no trânsito provocado por um acidente no caminho para a Barra da Tijuca.
“Conheço muito pouco da literatura dos países africanos francófonos, e a dos que falam português é quase alienígena para mim”, diz a autora, que escreve em inglês. “Do mesmo modo, meus livros em francês são caríssimos nesses lugares. O trabalho editorial ainda é tão marcado pelo colonialismo. Só fui perceber isso quando me tornei escritora.”
Chimamanda ainda fala no Rio neste final de semana no Festival LED e fará uma palestra no ciclo Fronteiras do Pensamento, em São Paulo, na segunda-feira às 20h. A palestra teve que ser transferida do auditório do Mackenzie para o Teatro Renault, pelo excesso de demanda por lugares —que ainda estão à venda.
Portal Folha/UOL
Foto: Marcelo Theobald/Reprodução/Portal Tela