sexta-feira, novembro 14, 2025
Manchete

“Caos, medo e silêncio”: moradores relatam desespero durante megaoperação policial no Rio de Janeiro

Enquanto o governo do Rio de Janeiro ainda contabiliza o número de mortos na megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão, moradores enfrentam o medo, a destruição e o isolamento deixados após um dos dias mais violentos da história da cidade.

Os relatos colhidos por diversos veículos de imprensa revelam um cenário de pânico generalizado, com casas atingidas por tiros, falta de transporte, longas caminhadas e projetos sociais paralisados. A terça-feira (28) transformou parte da Zona Norte em uma área de guerra — e o trauma ainda ecoa nas ruas e nas vozes de quem sobreviveu.

“A bala entrou no banheiro”

Durante os intensos confrontos, residências inteiras foram perfuradas por disparos. Uma moradora do Complexo do Alemão relatou que um tiro atravessou o banheiro onde estavam o filho e o tio:

“Atingiu a janela do banheiro e a geladeira”, contou, ainda em choque.

Outro depoimento mostra a dimensão da violência cotidiana:

“Está muito perigoso. O clima aqui tá muito tenso. Muito tiro desde de manhã. Eu não consegui sair pra trabalhar. Estou presa dentro de casa”, disse uma moradora da Penha.

Os tiros não pouparam nem os animais domésticos — uma moradora afirmou que a cachorra de sua vizinha foi atingida, assim como o muro da própria casa.

Transporte parado e quilômetros a pé

Com a cidade sitiada por barricadas e veículos incendiados, centenas de cariocas foram obrigados a caminhar quilômetros até suas casas. Ônibus e BRTs deixaram de circular, motoristas de aplicativo suspenderam corridas e o valor das tarifas disparou.

“Vou andar uns cinco quilômetros pra chegar em casa. Pedi um carro de aplicativo, mas a corrida estava R$ 100. Vou andando, é o que me resta”, relatou Antônio, exausto, enquanto seguia pela Zona Oeste.

No fim da tarde, a Central do Brasil e os principais terminais de transporte ficaram lotados. Segundo a Rio Ônibus, 71 veículos foram tomados por criminosos e 204 linhas foram afetadas — a primeira vez que a empresa orientou recolher toda a frota de áreas de risco.

Apesar do reforço em trens, metrô e barcas, o caos no transporte durou mais de 12 horas.

“A cidade parou, e o medo ficou”

Mesmo quem conseguiu chegar ao trabalho precisou ser dispensado. O funcionário de uma empresa de extintores em Bonsucesso contou que foi liberado após ouvir os tiroteios próximos.

“Liberaram a gente pra ir pra casa. Ninguém tem cabeça pra continuar trabalhando”, disse.

Em várias avenidas, o som das rajadas substituiu o barulho dos carros. Poucas pessoas se arriscavam a sair de casa, e a sensação dominante era de medo e impotência.

“Já é difícil acordar pra trabalhar. A gente sai sem saber se volta”, desabafou uma passageira que aguardava por um ônibus que nunca veio.

Projeto social atingido

Nem mesmo iniciativas comunitárias escaparam. O projeto Arte Transformadora, que atende 250 crianças e jovens do Complexo da Penha, foi atingido durante o tiroteio.

“Tivemos uma TV destruída, uma janela quebrada e cortinas rasgadas”, lamentou Albert Austin, presidente da ONG Base Transformadora.

A operação, que deixou mais de 80 presos e dezenas de mortos, continua gerando revolta e pedidos de investigação. Enquanto o governo estadual insiste em defender a ação como necessária, moradores denunciam execuções, desaparecimentos e destruição.

O Rio amanheceu nesta quarta (29) com vias liberadas e transportes retomando gradualmente, mas nas comunidades, o medo permanece — silencioso, denso e cansado de ser rotina.

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