Chico César participa, nesta segunda-feira, 22, de concerto com o Prima, em João Pessoa
Aos cinco anos, Chico César foi apresentado à irmã Iracy de Almeida, sua futura professora de música. Ela perguntou se ele gostava de estudar: “Falei que gostava de ler, mas não de fazer conta”, recorda. Crescido, ele idealizou, ao lado de Iracy, o Instituto Cultural Casa do Béradêro, que proporciona o ensino da música a crianças e adolescentes de Catolé do Rocha.
Amanhã (segunda-feira, 21), o artista encontra outro grupo de jovens que desde cedo estreita contato com instrumentos, por meio do Programa de Inclusão Através da Música e das Artes (Prima). O intérprete e o grupo farão um concerto gratuito, a partir das 19h, no Teatro Pedra do Reino, em João Pessoa. O show comemora os 13 anos do Prima, coordenado pelo Governo do Estado.
O programa está presente em 13 municípios e ofertou, em 2025, 400 vagas para estudantes da rede pública. O coordenador, Milton Dornellas, é velho conhecido de Chico e chegou à Paraíba poucos anos antes de o colega transferir-se para São Paulo. “Chico já era grande, um criador inquieto, que sabia o que queria. Depois acompanhei seu crescimento daqui. Percebíamos as mudanças a cada álbum lançado. E, na verdade, não eram mudanças, era amadurecimento profissional”, analisa.
O palco do Pedra do Reino reunirá 60 coralistas e 220 musicistas, entre alunos e professores, sob a regência do maestro Rainere Travassos. O repertório mesclará temas clássicos como a “Sinfonia no 1” de Gustav Mahler, faixas instrumentais brasileiras, a exemplo de “Coisa no 1”, de Moacir Santos, e obras do cancioneiro de Chico. Na primeira parte, o Prima apresenta-se sozinho; na segunda, o conjunto ganha a companhia do catoleense.
“O trabalho dele é extenso e diverso. Algumas músicas tornaram-se mais populares e é natural que isso aconteça. Mas para o povo brasileiro e para o Prima todas são importantes”, pondera Milton. Em outubro, o programa representou a Paraíba no Encontro Ibero-americano de Gestores de Orquestras Sociais e Juvenis, em Salvador. Fazendo um balanço de 2025, mediante as ações empreendidas neste ano, Milton define o período como atribulado, mas, ao mesmo tempo, gratificante.
“Foi desafiador construir repertório com arranjos arrojados para nossos alunos. Outro obstáculo tem sido o acompanhamento presencial de todos os polos, para orientações e ensaios. Faz-se necessário uma equipe determinada. E quanto a isso, a Paraíba pode aplaudir o quadro do Prima. Celebramos a vida e a superação desses grandes desafios”, declara.
Cuscuz Clã Chico César lembra que, na infância, após àquela interação com Iracy, seguiu- -se uma breve separação, quando a freira rumou do Colégio Normal Fraciscano para outros municípios paraibanos. Foi a partir do regresso a Catolé que a professora introduziu as lições de educação musical. O método, segundo o ex-aluno, não era outro senão o afeto.
“Ela ‘infestou’ a cidade inteira, por – q u e muita gente estudava naquele colégio. Praticamente, todos os alunos da escola compraram uma flautinha doce. Ficávamos debaixo dos pés de algaroba, fora da escola, tocando músicas como a ‘Marcha nativa dos índios quiriris’, do Quinteto Violado, ‘Asa branca’, ‘Noites de Moscou’… Ela era muito inspirada em Paulo Freire”, rememora.
O compositor de “Mama África” guarda na memória lances importantes dos dois anos de convivência com Iracy; um deles, a apresentação na Assembleia Legislativa da Paraíba. Mas a amizade atravessou décadas. Iracy continuou sua empreitada no ensino da música, à frente da orquestra Gente que Encanta. A nova parceria entre a dupla foi firmada a partir de 2001.
“Eu resolvi encampar esse projeto. Criamos CNPJ e tudo, né? Transformamos em organização não governamental, o Instituto Cultural Casa do Béradêro. Acho que a grande missão da irmã Iracy, na música, é a escuta, e s c ut a r o outro. E e s – cutar não apenas a música do outro, mas escutar o sentimento do outro. O que vai por dentro do outro”, sustenta.
Alicerçada nas aulas com Iracy, a carreira de Chico César deslanchou há 30 anos com a estreia do disco Aos Vivos; deste saíram músicas como “A primeira vista”.
Para 2026, Chico antecipa outra comemoração importante: as três décadas de lançamento de seu primeiro álbum de estúdio, Cuscuz Clã; uma programação especial deve acompanhar a efeméride. “Aos Vivos é um disco que me afirma no ambiente alternativo, underground. Já o Cuscuz Clã me coloca no ambiente pop, tanto do Brasil quanto do mundo. Me levou para festivais como o de Montreux [na Suíça]. A gente vai juntar uma parte da banda Cuscuz Clã com a parte da minha banda de agora e vamos fazer essa celebração no Circo Voador [no Rio de Janeiro]”, revela.
Chico César assevera que o contato com a arte nunca será precoce; é, inclusive, fundamental para a formação do indivíduo. Completa dizendo ter tido acesso a histórias tocantes e transformadoras de ex- -alunos da Casa de Béradêro e do Prima.
“É uma revolução! Um instrumento, quando entra numa comunidade, ele muda não apenas a vida daquele estudante que teve acesso. Ele muda a vida da família, da vizinhança, da comunidade, porque as pessoas começam a ouvir aquele som e a ver aquele menino entrar e sair de casa, descer e subir do ônibus com aquele instrumento debaixo do braço”, conclui.
- Texto de Esmejoano Lincol para o Jornal A União
- Foto: Ana Lefaux/Divulgação

