“Faria Limers” são condenados à prisão acusados de golpes contra empresas em crise
Eles se apresentavam como empresários de sucesso. As reuniões eram marcadas em restaurantes caros, aos quais chegavam em carrões importados. Os cartões de visita exibiam endereços badalados. Mas tudo isso, segundo a Justiça paulista, não passava de uma estratégia para ludibriar suas vítimas.
Anderson de Oliveira, 47, Cristiano de Oliveira, 45, e Ricardo Avilez, 45, foram condenados em outubro sob acusação de liderarem uma organização criminosa especializada em aplicar golpes em empresas em crise ou em reestruturação. As defesas deles negaram as acusações na Justiça.
Ao condená-los, o juiz Guilherme Martins Kellner, da 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores de São Paulo, disse que os atos dos acusados “trouxeram consequências catastróficas, levando diversas empresas à falência, gerando desemprego e causando prejuízos milionários”.
Os três chegaram a ter a prisão preventiva (sem prazo) decretada em junho de 2022. Posteriormente, Ricardo e Cristiano obtiveram liberdade provisória. Anderson conseguiu um habeas corpus. Eles vão recorrer em liberdade.
O primeiro caso, sempre segundo a acusação, ocorreu em 2010. Por meio da All Jaber, compraram por R$ 5 milhões as cotas da padaria Padoca do Anão. O valor seria pago de forma parcelada. Ao assumirem o controle do negócio, reduziram o quadro de funcionários, alteraram o preço das mercadorias e trocaram as máquinas de cartão de modo que os valores das vendas fossem destinados para uma conta em nome da A. Oliveira Confecções, sem relação com o contrato.
Os cheques emitidos para a compra da padaria foram devolvidos por falta de fundos. “O vendedor não recebeu qualquer quantia pela venda da empresa e não poderá reaver os valores decorrentes das transações comerciais devido à manobra com a máquina de cartões”, afirmaram os promotores na ação.
Esse golpe, conforme o Ministério Público, foi o embrião de uma atuação que se profissionalizou ao longo do tempo e que teria causado prejuízos de mais de R$ 39 milhões a várias empresas.
Para angariar contratos e enganar vítimas, diz a Promotoria, eles se apresentavam como sendo o “maior fundo distressed business do Brasil”, com “expertise consolidada em administração de dívidas empresariais”. Um site e publicações patrocinadas em redes sociais davam respaldo e ajudavam a reforçar a credibilidade.
Endereços renomados e automóveis de luxo reforçavam a imagem de profissionais bem-sucedidos. A AJC chegou a manter escritórios na avenida das Nações Unidas, na Faria Lima, na Luís Carlos Berrini e nas ruas Joaquim Floriano e Funchal, todas em bairros nobres de São Paulo.
De acordo com a Promotoria, a empresa ficava pouco tempo em cada imóvel: pagava o depósito inicial, usava o espaço para impressionar as vítimas e logo o abandonava sem quitar o contrato. O mesmo padrão se repetia com os carros de luxo. Na casa de Anderson de Oliveira, por exemplo, a investigação encontrou quatro automóveis de alto valor, alugados ou em nome de empresas do grupo.
“Uma vez no controle da empresa adquirida, os acusados iniciavam um processo deliberado de deterioração e saque de seus ativos”, afirmou o juiz na sentença. “Em vez de saneá-la, apropriavam-se dos recebíveis, desviavam os recursos do caixa para contas de outras empresas do grupo ou para si próprios, demitiam funcionários sem o pagamento de verbas rescisórias e deixavam de honrar compromissos com fornecedores, fisco e credores.”
Em vez de saneá-la, apropriavam-se dos recebíveis, desviavam os recursos do caixa para contas de outras empresas do grupo ou para si próprios, demitiam funcionários sem o pagamento de verbas rescisórias e deixavam de honrar compromissos com fornecedores, fisco e credores
Após o colapso das empresas-vítimas, de acordo com a apuração, os acusados não respondiam mais os contatos e se ocultavam para não serem citados em ações judiciais. O patrimônio obtido seria blindado por meio de empresas em nome de laranjas e familiares, frustrando a reparação dos danos causados às vítimas.
A Serro Pedras Naturais foi uma das vítimas, de acordo com a investigação. O antigo proprietário, Marial Muta Júnior, disse à Justiça que a negociação durou dois meses e que os empresários chegavam muito bem trajados e com automóveis de última geração. No escritório da All Jaber, na avenida Faria Lima, havia funcionários trabalhando. Pelo acordo, ele receberia R$ 600 mil, mas nunca houve o pagamento.
“Eles sempre alegavam problema na liberação do dinheiro dos fundos, cada semana era uma desculpa”, afirmou à Justiça. “Virou uma bola de neve.”
A venda foi estabelecida por cerca de R$ 21,6 milhões, em 35 parcelas. “Após a concretização do negócio, porém, houve o inadimplemento do contrato com o não pagamento das parcelas. Fornecedores e funcionários também não foram pagos, inviabilizando a continuidade da empresa”, afirmaram os promotores à Justiça.
Também foram condenados Fábio Felix Bastos, André Jordão, André Souza, Priscila Santos, Carolina Pitta de Oliveira e Gabriel Santos Ferreira, acusados de participar do esquema. Eles receberam uma punição menor, de quatro anos e seis meses de prisão em regime semiaberto.
Procurada pela Folha, a advogada Lilian Fedrigo de Oliveira, que representa o empresário Anderson de Oliveira, disse que já recorreu da sentença. Ela afirmou que o empresário jamais praticou qualquer delito. “Não há demonstração concreta e objetiva de que Anderson integrou estrutura organizada com funções predeterminadas voltadas para a prática de crimes”, disse à Justiça, ressaltando que o Ministério Público tenta transformar desacordos comerciais, “que deveriam ser discutidos na área cível”, em crimes.
A acusação lançou mão de expressões vagas como teia empresarial, esquema de pirâmide e dilapidação de empresas, sem, contudo, apresentar qualquer descrição objetiva, circunstanciada, com individualização de condutas, identificação de vítimas, tempo, modo e lugar dos supostos ilícitos
A reportagem entrou em contato com a defesa de Ricardo Avilez, mas o escritório que o representa optou por não se manifestar. À Justiça a defesa disse que não há nos autos do processo qualquer prova robusta que permita afirmar que o empresário tenha praticado as condutas que lhe foram imputadas. Disse que as acusações foram realizadas em função de “narrativas criadas”.
“O que se constata é que toda a acusação foi construída com base em meras conjecturas, suposições e interpretações distorcidas de atos tipicamente empresariais —alguns exitosos, outros não— como é próprio da atividade econômica no setor de ativos estressados e empresas em dificuldades”, declarou a defesa na ação.
A defesa de Cristiano Oliveira não enviou manifestação ao jornal. À Justiça afirmou “que todos os atos foram praticados dentro dos parâmetros legais e que a tentativa de atribuir caráter ilícito a atos empresariais legítimos revela não apenas uma interpretação distorcida dos fatos, como também uma afronta aos princípios da livre iniciativa, da autonomia da vontade e da segurança jurídica, expressamente assegurados pela Constituição“.
“A acusação lançou mão de expressões vagas como teia empresarial, esquema de pirâmide e dilapidação de empresas, sem, contudo, apresentar qualquer descrição objetiva, circunstanciada, com individualização de condutas, identificação de vítimas, tempo, modo e lugar dos supostos ilícitos”, afirmou à Justiça a advogada Cristina Zanone, que o representa.
- Folha/UOL
- Foto: Reprodução/MPSP

