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Xenofobia pós-eleição e tentativa de deslegitimar voto de nordestinos

Exatamente às 20h03 do último domingo, as Eleições 2022 tomaram um novo rumo no que se refere a apuração de votos para a presidência da República. Antes do horário, o atual presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), estava à frente do até então segundo colocado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após o horário, o candidato petista se consolidou na primeira colocação, confirmando a realização do segundo turno para o cargo.

A apuração se encerrou com Lula acumulando 57.259.504 votos, o equivalente a 48,4%, contra 51.072.345 de Jair Bolsonaro, correspondendo a 43,2%. Lula venceu em todos os estados do Nordeste, enquanto Bolsonaro teve seu melhor desempenho no Centro-Oeste e no Sul, onde angariou a maior parte dos votos em todos os estados das duas regiões e no Distrito Federal.

No Sudeste, maior colégio eleitoral do Brasil, Bolsonaro ficou à frente em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo. Lula, no entanto, venceu em Minas Gerais. O Norte foi a região mais dividida, com o petista à frente em quatro estados (Amapá, Amazonas, Pará e Tocantins); e o presidente, em três (Acre, Rondônia e Roraima).

Diversas pessoas foram às redes sociais para se posicionarem contra os nordestinos, em coletividade. Eleitores de Bolsonaro criticavam a vitória de Lula na região associando o Nordeste à pobreza, e algumas postagens desejavam a fome aos eleitores de Lula. Uma delas foi a advogada Flávia Aparecida Rodrigues Moraes, que ocupava o cargo de vice-presidente da comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Uberlândia-MG. No vídeo compartilhado nas redes sociais, a advogada ressalta que a população brasileira que votou no atual presidente não deve mais viajar ao Nordeste, como uma forma de punir a região pelos votos no petista.

Em uma das passagens, ela cita superioridade do restante do país como “mais inteligentes” e fala “A gente não vai mais alimentar quem vive de migalhas”, em referência pejorativa aos nordestinos. Na última quinta-feira, a ordem informou a exoneração da advogada e determinou a abertura de processos éticos-disciplinares pelo Conselho de Ética e Disciplina da Subseção e pelo Tribunal de Ética Regional. A Defensoria pediu, ainda, uma indenização no valor de R$ 100 mil.

O comentarista da Jovem Pan, Rodrigo Constantino, é outro exemplo. Ele usou as redes sociais para aumentar a onda de ataques aos nordestinos. “Temos uma conclusão clara nessas eleições: a parte do país que mais recebe assistencialismo decide sobre a parte do país que mais produz para o PIB”. Na sequência, o conservador afirma que os nordestinos e quem apontou a xenofobia passaram a tentar “forçar uma divisão inexistente. São canalhas…”.

Também na quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro falou sobre a votação e, também, endossou os ataques relacionando a região a baixa escolaridade. “O Nordeste está há 20 anos sendo governado pelo PT. Onde a esquerda entra leva o analfabetismo, leva a falta de cultura, o desemprego”, disse o presidente. Após a declaração, o próprio comitê do candidato à reeleição reduziu expectativas sobre uma possível recuperação na região.

 

Aumento nos casos de xenofobia

O que todas essas declarações possuem em comum é um crime: a xenofobia. De acordo com Olímpio Rocha, advogado, professor e presidente do Conselho estadual dos Direitos Humanos, afirma que as declarações, que aumentaram também após a fala de Bolsonaro, são resultado de uma construção do próprio presidente. “Do ponto de vista histórico e sociológico, a gente pode dizer que a xenofobia se relaciona com o preconceito contra diferentes culturas, etnias, contra grupos étnicos e povos que se identificam mutuamente com base em ancestralidade, cultura e costumes, religião, língua e outros. Infelizmente, esse tipo de preconceito tem sido reproduzido aqui no Brasil, principalmente, a partir de declarações preconceituosas e xenofóbicas do presidente Bolsonaro, que faz ataque cotidianos ao povo nordestino, dando conta que o povo nordestino seria analfabeto, não teria capacidade intelectual suficiente, que seriam dependentes de migalhas”, destacou Olímpio.

O crime, mesmo que esteja na internet, é punível, assim como ocorreu com a advogada. “Do ponto de vista jurídico, combater isso é tranquilamente possível. Quem se sentir aviltado em razão de sua origem pode e deve apresentar queixa crime contra o seu agressor, pode e deve apresentar representação criminal contra seu agressor, isso com base no código penal e na Lei antirracismo, que também abarca o combate às práticas xenofóbicas. Para isso, é preciso contactar um advogado ou um defensor público para que essas providências jurídicas sejam tomadas da forma mais rápida e concreta possível”, explicou o jurista.

Na última segunda-feira, logo após as eleições, foram registradas 14 denúncias de xenofobia por hora na central da organização não-governamental de proteção dos Direitos Humanos Safernet Brasil, totalizando 348 registros no dia. O número quase supera o total de reclamações registrado nos primeiros seis meses do ano passado, 358.

“Do ponto de vista político, o que percebo é que há um ataque cada vez maior a nós, nordestinos, que majoritariamente votou contra o presidente Bolsonaro, como uma forma de deslegitimar o voto daqueles que são frontalmente contrários às políticas de morte colocadas em prática diuturnamente por Jair Bolsonaro”, afirmou o advogado.

Os ataques ignoram, no entanto, o quanto a população nordestina foi e é importante para todo o país. Da construção das grandes metrópoles ao potencial intelectual, cultural e tecnológico, os nordestinos são um pilar sólido no país, a madeira de lei, como canta Antônio Nóbrega. Atacar os nordestinos pelo voto, desejar morte e fome para a região é, nada mais e nada menos, do que atacar a si mesmos e ao Brasil.

“Penso que as providências jurídicas podem e devem ser tomadas. Um presidente de todo o país não pode fazer acepção de pessoas, como se diz, não pode atacar os grupos étnicos que, em tese, ele governa. De maneira tal que a candidatura sequer deveria ser deferida em razão dos ataques à diversidade nacional, racial e o pluralismo político”, finalizou Olímpio Rocha.

 

Por Ana Flávia Nóbrega, em texto publicado no jornal A União deste domingo.

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