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MATÉRIA ESPECIAL – Superdotados têm ambiente especial em João Pessoa

De poucas palavras, mas sorriso fácil, Heitor Andrade, de nove anos, se anima para conversar quando o assunto são os planetas. Ele sabe as características de cada um, inclusive a distância que estão do planeta terra e do sol. Com um ano e oito meses ele já sabia formar palavras e ler e após uma criteriosa avaliação foi identificado como uma criança com altas habilidades/superdotação. Via Jornal A União.

Direcionada pela escola onde o filho estudava, Josenise Andrade, que também tem uma filha com 28 anos, procurou a Fundação de Apoio à Pessoa com Deficiência (Funad) para investigar um possível diagnóstico de transtorno do espectro autista. Heitor, então com três anos, passou pela avaliação de um psicólogo, fez um teste e foi direcionado ao Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS).

“Ele entrou na escola com dois anos. Ele já fazia o nome dele, já sabia o alfabeto, sabia contar até 200. Eu avisei na escola que ele sabia ler algumas palavras. Lógico que a escola pensou ‘lá vem mais uma mãe valorizando o filho’. Quando a escola percebeu que ele tinha um conhecimento maior do que o que eu tinha dito, eles começaram a me cobrar uma avaliação. Já fiz várias avaliações e nunca teve diagnóstico de autismo, é altas habilidades mesmo”, explicou Josenise.

Jogar futebol e andar de bicicleta não estão entre as atividades favoritas dele. Heitor gosta mesmo é de brincar resolvendo raiz quadrada, descobrindo países em um dos quatro globos terrestre que possui ou adivinhando as bandeiras dos países. Ele sabe cada uma delas e aceita o desafio para identificá-las. “Essa é a diversão dele”, disse a mãe.

Dividida entre o orgulho e a preocupação com o filho, Josenise conta que a falta de informações foi um dos fatores que a assustou. “Não é só ‘que lindo, que bonitinho, o menino que sabe é muito’. Isso é uma parte do que ele é, mas ele é uma criança. Ele é muito rígido com as coisas, se estressa com muita facilidade”, ponderou.

Mais de 200 alunos já foram atendidos e atualmente 65 estão ativos no cadastro no NAAHS, que funciona na Funad e atende um público com idades entre quatro e 17 anos. Dados do Censo Escolar, que tem como base as matrículas realizadas no ano passado, mostram um número maior, com 92 alunos com altas habilidades/superdotação matriculados somente em escolas da rede estadual de ensino.

O Núcleo é uma política pública de educação implantada no ano de 2005, pelo Ministério da Educação (MEC), em todos os estados brasileiros para que os profissionais da educação tivessem um suporte para identificação pedagógica. As pessoas com altas habilidades estão inseridas na legislação de educação especial, assim como estudantes com deficiência e espectro autista. A dificuldade na identificação faz com que esse público fique invisível nas escolas e tenham poucas oportunidades para exploração do seu potencial.

“Muitas pessoas encaram altas habilidades como uma doença, como algo que que vai limitar a vida da criança. Se não for corretamente identificado e estimulado o estudante pode ter implicações emocionais negativas, por exemplo: não se sentir pertencente ao espaço escolar, se sentir desmotivado a ir para a escola, porque o assunto não é estimulante para ele. Ele pode desenvolver um perfeccionismo além daquilo que é considerado adequado para relação interpessoal, pode se sentir isolado do mundo porque ninguém entende do que ele gosta”, pontuou a coordenadora do Núcleo, Vitória Cherfên.

É considerado superdotado ou com altas habilidades a pessoa apresenta potencial elevado, tanto de forma isolada, quanto combinado, na área da liderança, psicomotricidade, lógica, matemática, área artística, esportiva. “A pessoa superdotada não precisa ser aquela que tira 10 em tudo, aquela que recebe prêmio nas olimpíadas. O comportamento da superdotação se manifesta de várias formas. Quando a gente olha para o fenômeno de altas habilidades, percebe que ele nunca vai se manifestar da mesma maneira em todas as pessoas”, afirmou Vitória.

Através do Núcleo, 350 professores, sendo 200 somente este ano, já foram capacitados para identificar traços de altas habilidades nos estudantes. O Núcleo atua em três segmentos:  formação e orientação a professores e equipes escolares; suporte socioemocional a familiares e oferta de atividades de enriquecimento voltadas aos alunos para estimulação do potencial.

 “Tem muitas pessoas superdotados ao nosso redor”

O índice de subnotificação em relação à identificação de pessoas com superdotação é considerado alto no Brasil. O fato é atribuído principalmente à metodologia aplicada para avaliação, que por muito tempo ficou focada apenas no resultado de testes de Quociente de Inteligência (QI). O modelo excluía, por exemplo, pessoas com alta habilidade musical, nas artes, na liderança.

A coordenadora do NAAH/S, Vitória Cherfên, ressalta que até mesmo nas escolas existe a dificuldade de informar corretamente a existência de crianças superdotadas no Censo Escolar. Os dados servem de base para o Ministério da Educação estabelecer políticas públicas voltadas para grupos específicos.

“Os números que chegam ao MEC às vezes não são condizentes com a realidade. Ou a escola considera que superdotado é aquele que tira 10 em todas as matérias, que tem um boletim excepcional e vai uma informação para o MEC que nem sempre é condizente com a realidade. Existem muitas pessoas com altas habilidades ainda não identificadas”, explicou Vitória.

A expectativa é que o número de pessoas identificadas com superdotação e altas habilidades na Paraíba aumente de acordo com a expansão do Núcleo, ainda não conhecido por vários municípios. Também pode colaborar para essa identificação a implantação de um fluxo estadual, feito em colaboração com a Gerência Executiva de Diversidade e Inclusão (Gedi) da Secretaria de Estado da Educação, para criação de um cadastro dos estudantes. Para isso o Governo do Estado tem investido na capacitação dos professores em relação aos critérios para identificação dos alunos que apresentam essa condição.

O cadastro e censo de alunos com altas habilidades e superdotação matriculados na rede estadual de ensino é inclusive previsto na Lei estadual 11.527, sancionada pelo governador João Azevêdo no ano de 2019. O censo tem por finalidade a adoção de políticas e ações voltadas ao desenvolvimento científico, tecnológico, artístico e cultural. De acordo com a lei, os alunos identificados serão direcionados a capacitações para implementação de projetos de desenvolvimento específicos. A norma estabelece ainda que o censo seja realizado anualmente, no início de cada período letivo.

Crianças com superdotação precisam ser estimuladas

Aumentar os desafios aos alunos com superdotação/altas habilidades através de jogos de lógica, de leitura, ou ainda permitir que o aluno frequente alguma aula que é normalmente oferecida para crianças mais velhas, a exemplo de uma segunda língua ou informática, são estratégias sugeridas pelo Ministério da Educação (MEC) para manter o interesse das crianças irem à escola.

“Ele disse que escola é uma perda de tempo, onde ele aprende coisas inúteis. Certo dia perguntei a ele como tinha sido na escola e ele respondeu que tinha sido horrível. Ele disse: a professora passou uma hora explicando números decimais. Quem é que precisa de uma hora para aprender aquilo?’ Em outra aula e professora falava sobre o planeta terra. Ele gosta muito de planetas, então ele começou a falar curiosidade de Vênus, de Marte, sobre a Lua. A professora pediu para ele parar porque o assunto era o planeta terra”, contou Josenise Andrade, mãe de Heitor, de nove anos.

Vitória Cherfên, coordenadora do Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS), frisou que as escolas precisam passar por adaptações para melhor atender os alunos com superdotação e altas habilidades e serem espaços para estimular a criatividade. Ela explicou ainda que na maioria das vezes o estudante superdotado precisa ser sentir desafiado para ter motivação.

“Se aquele conteúdo é algo que ele facilmente aprende, rapidamente ele absorve e se ninguém apresenta um nível acima daquilo, ele fica desmotivado, não tem mais interesse em estar ali. Às vezes a escola também precisa se adaptar, adaptar seu currículo, suas práticas. Pode colocar esse estudante para ser monitor, se ele desejar e ficar confortável. Colocar ele para fazer uma pesquisa sobre um tema que seja do interesse. Tem tanta coisa que é possível pensar”, afirmou Vitória.

É o que acontece com Heitor em algumas situações. “Ele estava me dizendo: você sabe por que é que eu risco o meu livro todinho, por que eu desenho no meu livro todo? Porque eu fico sem ter o que fazer, então eu vou desenhando agora a professora me proibiu de desenhar no meu livro e eu não tenho o que fazer”, disse Josenise.

O MEC desenvolveu com especialistas um conjunto de quatro volumes de livros didático-pedagógicos contendo informações que auxiliam as práticas de atendimento ao aluno com altas habilidades/superdotação, orientações para o professor e a família. A versão eletrônica dos documentos está disponível para download de forma gratuita no site do MEC. (http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12679:a-construcao-de-praticas-educacionais-para-alunos-com-altas-habilidadessuperdotacao)

 

Matéria de Michelle Farias para o Jornal A União

Fotos: Ortilo Antônio/A União

 

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