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ESPECIAL: partidos criam táticas para burlar participação de minorias

Quantas leis são necessárias para consertar séculos de desigualdade na política? Mulheres ocupam apenas 15% das cadeiras parlamentares, mesmo sendo maioria do eleitorado. Indígenas sequer chegam perto desse percentual, enquanto candidatos pretos também ainda são minoria. Após 200 anos de independência, o Brasil ainda precisa lidar com a falta de representatividade de minorias nas Eleições 2022. (Via jornal A União)

Na Paraíba, apenas três pessoas indígenas são candidatos neste pleito, sendo apenas 0,3% dos mais de 700 registros realizados na Justiça Eleitoral. Já as pessoas que se autodeclararam pretas, são 12,8%. Apesar do baixo percentual, o número ainda é maior do que o das últimas eleições nacionais. Em 2018, apenas um indígena realizou o registro de candidatura e as pessoas pretas eram apenas 8% do total de candidatos.

No entanto, o crescimento pode não ter a intenção correta. Segundo avalia o cientista político e professor da Universidade Federal da Paraíba José Artigas, com a nova legislação eleitoral, que prevê um aumento no fundo eleitoral para negros e mulheres, há candidatos mudando a declaração de cor para se beneficiar da lei.

“A gente percebe que, por exemplo, nas eleições de 2018 o número de deputados estaduais que se declararam negros ou pardos era de 30%, e o número saltou em quatro anos para 52%. Percebe-se que muitos candidatos que nas eleições passadas diziam-se brancos, agora se declaram negros ou pardos, ou seja, é obvio isso é uma tática de ampliar o fundo eleitoral sem ter uma maior participação nesses grupos na composição das chapas e parlamentos”, comentou.

Segundo a legislação, o objetivo seria de ampliar a participação de negros e mulheres na composição das candidaturas. “Com isso, haveria um favorecimento relativo a negros e mulheres, uma vez que candidaturas negras e mulheres receberão o dobro das outras candidaturas. Mas, como já era esperado, isso já também vem causando algum desvio”, explicou o cientista político.

No entanto, as tentativas de burlar leis que favorecem minorias não vem de agora. As mulheres representam, de forma obrigatória, 30% das candidaturas em composição de chapas em eleições. Dessa forma, os partidos e federações precisam lançar, no mínimo, 30% de candidaturas femininas. Mas o que deveria ser uma forma de valorizar as mulheres, acaba tendo o efeito contrário.

Cada vez mais os Tribunais Regionais Eleitorais têm julgado casos de candidaturas laranja. As mulheres são alvo de candidaturas fictícias como forma de burlar a lei. Na maioria dos casos elas recebem poucos, ou nenhum voto, não fazem campanha para si, e o fundo eleitoral é utilizado para candidatos homens.

“Essa lei não efetivamente promoveu uma maior participação feminina nas representações parlamentares. Na verdade, favoreceu o aumento do número de candidaturas laranjas, que não eram competitivas, mas serviam para preencher a lista de candidaturas para que o partido pudesse lançar seus outros candidatos na eleição”, enfatizou José Artigas.

Na opinião do cientista político, as mulheres acabam sendo inferiorizadas. “Isso deprecia o papel da mulher na participação política eleitoral, porque acaba sendo alvo da manipulação das direções partidárias, que ficam com o fundo eleitoral para distribuir entre outras candidaturas mais competitivas e desestimulam a participação das mulheres”, avaliou.

É possível ter um exemplo recente disto na Paraíba. No município de Monte Horebe, todos os vereadores do partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB) tiveram seus mandatos cassados por fraude eleitoral na cota de gênero. Com a decisão do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) o município terá que passar por novas eleições suplementares proporcionais para a escolha de novos.

Ficou comprovado, segundo a Justiça Eleitoral, que haviam candidaturas laranjas de mulheres. Uma delas é esposa de um dos vereadores, chegando a desistir da própria candidatura e fazer campanha para o marido nas redes sociais.

Motivos que impedem as minorias de terem representatividade política

Problema histórico e cultural

De acordo com o especialista, o problema vem de uma raiz estrutural e histórica. “São problemas que não resolvemos a curto prazo, mas é fundamental que enfrentemos com alterações nas lei eleitorais, organização dos partidos políticos, porque só assim a gente vai estimular uma participação efetiva”.

O professor comentou ainda que a elite sempre ocupou os cargos legislativos e executivos, causando a desigualdade vista atualmente. “Na arena política, desde sempre, houve uma grande maioria de elites à frente dos cargos legislativos e executivos. Essas elites proveniem das classes dominantes, abastardas., brancas e sempre houve um forte peso patriarcal, machista, que levou a um dominio quase que absoluto de represenbtantes do sexo masculino”, disse.

Organização partidária

Ainda segundo o cientista político, um desses critérios que dificultam o acesso as formas de representação política do país diz respeito a organização interna dos partidos. “Os partidos não estimulam as minorias a participarem mais ativamente das suas instâncias de deliberação. Poucos sao os partidos com critérios de composição das suas direções nacionais e executivas com criterio de cotas para mulheres, negros e eventualmente  jovens”, comentou.

Na avaliação do especialista, o critério de cotas estimula a participação mais ativa dessas minorias na atividade política e partidária. “Isso abre caminho para a formação de novas lideranças políticas entre esses grupos minoritários”.

O problema da falta de participação

A falta de representatividade de minorias nem cargos políticos faz com que essas vozes não sejam ouvidas. Segundo enfatizou José Artigas. “São homens brancos e ricos legislando por mulheres, indígenas e negros”. Isso faz com que a desigualdade aumente ainda mais, em todos os âmbitos. “Muito difícil que homens brancos legislem em prol de mulheres e negros. Isso acaba reproduzindo um padrão de desigualdade histórico que na política é ainda mais intenso do que em outras esferas, social, econômica e cultural”, completou.

 Para ele, a modalidade de cotas com número de cadeiras nos parlamentos poderia contribuir tanto para diminuir a desigualdade, como as fraudes eleitorais. “Eu acredito que as cotas, em duas modalidades de representação, deveriam estimular a participação ativas das minorias. E não apenas para as mulheres, eu penso também para indígenas, negros. As cotas vêm representando uma boa alternativa de política compensatória. E a gente tem alguma experiência, desde 1992 iniciamos no Brasil e a política de cotas”.

O professor explicou ainda que esse modelo parte do pressuposto do reconhecimento da desigualdade que essas minorias enfrentam para promoção da equidade. “De forma que os desiguais sejam tratados desigualmente no sentido da redução das desigualdades históricas estruturais. Nesse sentido, eu acredito que apenas com cotas de participação mínima das minorias é que podemos conquistar uma participação equânime para ter mudanças estruturais”.

O resultado disso é uma maior democratização das pautas parlamentares. “Quando as minorias legislam, a gente vê pautas sendo inseridas na agenda parlamentar que não são corriqueiras, sobre temas que geralmente ficam para trás no conjunto dos interesses parlamentares. Isso é muito importante, porque a ação parlamentar envolve um debate público sobre temas que nem sempre são de interesse dos grupos dominantes, por isso é tão importante a participação desses grupos”.

Matéria assinada por Iluska Cavalcante, transcrita do jornal A União

Foto: Joshua Mcknight/Pexels

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