Democracias podem morrer no voto
A democracia brasileira venceu a guerra contra a ultradireita que tenta enfraquecê-la, relativizá-la ou, simplesmente, matá-la? Não creio.
A prisão de um ex-presidente que comandou esforços para um golpe à democracia pode refletir a resiliência democrática, mas foi apenas uma batalha. A guerra continua.
Eu já disse, em ocasiões anteriores, que sinto saudades do tempo em que direita, centro e esquerda conviviam num ambiente de disputa civilizado e discutiam teses, propostas e projetos em um tom aceitável, ressalvadas pontuais exceções. Hoje, o ambiente é de guerra. De um lado, está a turma que coloca a defesa da democracia em posição de destaque, de outro a que a enfraquece, numa tentativa de minar a autonomia e prerrogativas das instituições. São os que minimizam a gravidade de uma tentativa de golpe, ou até apoiam a ideia.
Como as democracias morrem? O livro escrito por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt responde: porque, ao contrário de outros tempos, em que a democracia era derrubada por golpe de Estado (estratégia que tentaram ressuscitar no Brasil), agora ela é atacada aos poucos, mas ininterruptamente, sorrateira ou escancaradamente, por agentes políticos que foram eleitos democraticamente. São os chamados “representantes do povo”. E, se representam o povo, o povo é que parece “estar de mal” com a democracia. Portanto, tudo é culpa do povo. Faz sentido.
A democracia é afrontada especialmente por parlamentares eleitos. Eleitores, portanto, estão com essa enorme responsabilidade: eleger seus representantes com muito cuidado, examinando seus pronunciamentos, suas atitudes e, principalmente, suas votações. Sem democracia, o país descamba para o caos total. Mas a verdade é que nem todos os eleitores estão preocupados com a manutenção da democracia, especialmente por desconhecerem os maléficos efeitos de uma ditadura. E passam a focar sua atenção em outras pautas de suas preferências.
Por exemplo, há quem vote em candidatos que defendam o armamento praticamente indiscriminado da população, ainda que isso historicamente reflita no aumento da violência; os que fecham os olhos para votações de projetos de interesse restrito dos parlamentares, como a PEC da blindagem, aprovada na Câmara dos Deputados e derrubada pela CCJ do Senado, posteriormente; os que atribuem forte peso a projetos sustentados em pautas claramente eleitoreiras, mas que vão ao encontro de valores específicos dos eleitores. E aí, no meio desse caldo de matérias desencontradas e aprovadas, muitas vezes, na calada da noite ou da madrugada, a questão da defesa da democracia torna-se assunto de somenos importância.
Os eleitores precisam levar em conta que projetos que combinem com seus valores pessoais não devem excluir o apego à democracia. Poderá até haver situações contraditórias, e elas sempre estarão presentes. Mas nunca deve-se relativizar os valores democráticos, tão caros a todo um povo — e não apenas a alguns eleitores ou parlamentares. O bem-estar geral de uma nação deve sempre ser o ponto de partida dos projetos políticos e, também, o ponto de chegada.
Outras batalhas virão, umas mais perigosas do que outras, mas todas a merecer o cuidado e a atenção de toda a sociedade. Batalhas fazem parte de uma guerra. E esta continuará em 2026. Um país sem equilíbrio é um país à deriva. Salvemos o Brasil do naufrágio!
Por Gisa Veiga

