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Opinião: O juiz virou réu — e o CNJ mandou um recado ao Judiciário

Da Redação

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aplicou a mais dura penalidade possível a um magistrado sem demissão direta: a aposentadoria compulsória. O destinatário foi o juiz federal Marcelo Bretas, um dos rostos mais midiáticos da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Com 13 votos a favor e um impedimento, a decisão foi unânime. Mas seu impacto vai muito além de Bretas. O recado está dado: juízes que cruzarem a linha da imparcialidade, por vaidade ou agenda própria, serão cobrados.

A punição, embora carregada de simbolismo, tem efeito prático brando: o juiz afastado segue recebendo salário proporcional. Ainda assim, para um Judiciário acostumado a absolver os seus em silêncio ou em nota protocolar, essa decisão é um ponto fora da curva — e, diga-se, já vinha amadurecendo.

O CNJ baseou sua decisão em três processos disciplinares. Os desvios são graves: conluio com advogado para negociação de penas, pressão sobre investigados, uso político do cargo durante eleições e condução de buscas e apreensões com abuso de poder. O relator do caso, conselheiro José Rontondano, não poupou palavras: chamou Bretas de “obstinado em se tornar protagonista” e o acusou de instrumentalizar a Justiça para autopromoção.

A defesa do juiz gritou “injustiça” e culpou “palavras mentirosas de um advogado criminoso”. Mas o voto do relator foi técnico e robusto. Não se trata de um erro pontual ou excesso isolado: o que o CNJ viu foi um padrão de comportamento que violava, sistematicamente, o dever de imparcialidade.

A verdade é que Bretas surfou por anos a onda de prestígio da Lava Jato. Ganhou holofotes, seguidores e notoriedade com uma retórica de justiceiro, posando mais como símbolo do combate à corrupção do que como juiz da República. Mas o que começa como moralismo de toga costuma acabar como exceção à regra do direito. Foi o que se viu.

Esse episódio levanta questões mais amplas. A Lava Jato, que já foi tratada como salvação nacional, hoje vive um lento desmonte — não por vingança política, como alegam seus defensores mais radicais, mas pelos próprios erros de seus protagonistas. O que era para ser operação virou espetáculo. O que era para ser Justiça virou palanque.

A decisão do CNJ não corrige os desvios da Lava Jato como um todo, mas aponta para algo essencial: não existe combate à corrupção que justifique atropelar o Estado de Direito. E não existe juiz tão poderoso que não deva responder por seus atos.

Marcelo Bretas não é a causa da crise do Judiciário, mas um sintoma. Seu caso serve como alerta para um poder que opera, muitas vezes, em zona de conforto e imunidade. E, ao contrário do que dizem seus defensores, puni-lo não é um ataque à Justiça — é um esforço, ainda que tímido, de resgatá-la.

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