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PB é o estado com menor número de quilombolas do NE, revela IBGE

Com uma população quilombola de 905.415 pessoas, o Nordeste concentra mais da metade (68,2%) desse grupo ético entre as outras regiões brasileiras (Confira os números por regiões no quadro). A Paraíba, porém, é o estado da região que apresenta o menor número de quilombolas, com um contingente de 16.584 pessoas. Os dados fazem parte dos primeiros resultados do “Censo Demográfico 2022 – Quilombolas”, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Essa foi a primeira vez em um levantamento censitário brasileiro que a população quilombola foi identificada enquanto grupo étnico. No ranking do Nordeste, o estado que mais apresenta pessoas quilombolas é a Bahia (397.059), em seguida vêm o Maranhão (269.074) e Pernambuco (78.827). Depois aparece Alagoas (37.722), Piauí (31.686), Sergipe (28.124), Ceará (23.955), Rio Grande do Norte (22.384) e, por fim, a Paraíba (16.584).

De acordo com o pedagogo Marcos Augusto Rodrigues, morador quilombola que integra o Centro Estadual de Referência da Igualdade Racial João Balula, órgão da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh), a Paraíba conta com 49 comunidades quilombolas autorreconhecidas. “A maioria está no Sertão e no Cariri. Um dos fatores principais para esse número pouco expressivo populacional é devido ao fato dessas comunidades ainda não terem seu território consolidado. Isso implica na falta dos meios de produção, então, elas têm que migrar para outras regiões”, declarou.

Segundo ele, há um grande fluxo migratório de pessoas quilombolas da Paraíba para regiões como o Sudeste, o Sul e Centro-Oeste do país, que vão trabalhar na colheita de algumas culturas, a exemplo do café e da laranja. “Essas pessoas migram para outras regiões porque onde estão não há meios de produção suficientes para se manterem nos territórios”, disse Marcos.

O levantamento do IBGE mostrou que os municípios paraibanos que apresentaram maior quantidade de residentes quilombolas foram Conde (cerca de 3.000), João Pessoa (2.260), Cacimbas (1.698), Santa Luzia (1.324) e Alagoa Grande (946). No geral, 51 municípios do estado registraram população quilombola. Quando se calcula a proporção entre o número de quilombolas com a população de cada município, os destaques ficam para Cacimbas (23,5%), Conde (10,9%), Diamante (9,4%), Santa Luzia (8,9%), Riachão do Bacamarte (8,8%) e Dona Inês (7,8%). Em João Pessoa, essa proporção é de 0,3%.

O “Censo Demográfico 2022 – Quilombolas” mostrou também que apenas 17,60% da população quilombola da Paraíba estão em territórios oficialmente delimitados, o que compreende 2.918 pessoas. Ao todo, são 11 territórios oficialmente delimitados no Estado. Os primeiros lugares ficaram com Sergipe (45,24%), Piauí (26,54%) e o Ceará (19,18%). Depois vêm a Paraíba (17,60%), o Rio Grande do Norte (15,39%), o Maranhão (10,79%), Pernambuco (8,59%), Bahia (5,23%) e Alagoas (1,83%). Vale lembrar que o percentual paraibano é superior ao nacional (12,59%).

De acordo com o levantamento do IBGE, 82,4% da população quilombola paraibana, ou seja, 13.666 pessoas, está fora de territórios quilombolas oficialmente delimitados.

Segundo o pedagogo Marcos Augusto, o processo de demarcação, delimitação e titulação do território quilombola é moroso, e isso traz consequências para os moradores. “Com o território definido, essas populações têm o seu meio de sobrevivência, uma vez que as comunidades se mantêm da agricultura familiar. Quando isso não ocorre, há o fluxo migratório, porque elas não têm como produzir. Por isso, as comunidades defendem que não sejam dadas terras a elas, e sim o direito ao território”.

Marcos Augusto Rodrigues frisou que esse levantamento censitário inédito no país é de grande relevância, pois além de mostrar o retrato dessa população, poderá divulgar as necessidades dos quilombolas. “O Governo Federal também teve um diálogo muito aberto com as comunidades durante esse Censo, e permitiu que os próprios quilombolas participassem diretamente do processo, pois muitos trabalhavam como recenseadores”, salientou Marcos.

O coordenador de divulgação do Censo na Paraíba, Jorge Alves, afirmou que durante o levantamento de dados dos quilombolas, a principal dificuldade foi quantificar essa população em locais que não eram delimitados como quilombolas. “A outra dificuldade diz respeito a realização de uma pesquisa em todos os domicílios do país, considerando que o Brasil tem dimensões continentais”.

 

Atraso em serviços básicos

 

As comunidades quilombolas trazem, geralmente, um cenário de atraso em serviços básicos garantidos à sociedade do século 21. José Maximino da Silva tem 38 anos e nasceu no Quilombo Matão, em Mogeiro, distante quase 100 quilômetros de João Pessoa.

O território, onde moram quase 200 pessoas, ainda não tem a titulação definitiva, mas possui o uso de posse da terra. No lugar não há água encanada, e o abastecimento hídrico vem de poços artesianos, erguidos pelos moradores. Algumas casas apresentam, de forma improvisada, um sistema de ligação com os poços artesianos. Segundo Max, como é conhecido na comunidade, também não há saneamento básico no quilombo, e nas casas há fossas sépticas, construídas pelas próprias famílias.

As principais atividades econômicas dos moradores de Matão são a agricultura familiar e o artesanato. Lá se cultiva feijão, milho, maxixe, e hortaliças. “As hortaliças são cultivadas no sistema agroecológico e há pouco tempo começamos a plantar, não apenas para a nossa subsistência, mas para vender nas feiras das cidades próximas. As mulheres também trabalham com crochê, labirinto e bordados”, disse Max, que é pedagogo e faz parte da coordenação do projeto “Resistência Quilombola”, ligado à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil (Conaq).

Entre as inúmeras demandas das comunidades quilombolas, as principais, segundo ele, são a demarcação, delimitação e titulação do território. Porém, mesmo existindo uma série de demandas necessárias para melhoria devida da população, ele conta que é importante viver em um lugar pleno de história, identidade e pertencimento.

“A origem do Quilombo Matão data de 1889. Ele surgiu logo após a abolição da escravatura, quando os negros se embrearam nessas terras, que eram mata nativa. O lado bom de se morar num quilombo é que você está num lugar ancestral, com sua identidade étnica preservada e você tem uma relação de pertencimento com esse espaço. Antes de você existir, havia outros dos seus que viveram ali, e isso é a base da formação quilombola”, frisou.

 

Obras públicas

Apesar da burocracia, lentidão e dificuldade em se titular definitivamente um território quilombola por parte de organismos federais, o Governo do Estado promove ações que melhoram a qualidade de vida dessas comunidades.

O pedagogo Marcos Augusto Rodrigues afirmou que entre as políticas públicas do Estado estão o beneficiamento na acessibilidade das estradas, a adesão a projetos como o da “Dignidade Menstrual”, que chegam às mulheres quilombolas, o Cooperar, entre outros.  “Então, são políticas públicas estruturantes, que dão mais visibilidade e qualidade de vida a essas comunidades”, enfocou.

Durante o ano, são realizadas ações por várias secretarias estaduais. Uma delas, é a série de atividades de promoção do mês das mulheres negras latino-americanas e caribenhas, promovido pela Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh).

A programação, que conta exibição de filmes, práticas terapêuticas, debate sobre empreendedorismo, nutrição coletiva e valorização da ancestralidade, entre outras práticas, ocorre durante todo o mês de julho nas comunidades quilombolas.

 

Matéria de Alexsandra Tavares para o Jornal A União desta sexta-feira

Foto: José Carlos dos Anjos/Secult

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