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Especial: Assédio eleitoral é prática histórica

Em uma semana os brasileiros precisam decidir seus novos governantes em um segundo turno, no contexto de um país democrático e de voto livre. No entanto, apesar das Eleições estarem acontecendo no ano de 2022, os problemas enfrentados ainda são do período da República Velha. O assédio eleitoral, mesmo sendo uma palavra nova para o vocabulário popular, tem atingido diretamente o direito de voto. O tema ainda é pouco falado, mas não é novidade na história do Brasil, ele muito se assemelha ao voto de cabresto, que ocorria no período da República Velha e acontece principalmente dentro das relações de trabalho. (via jornal A União)

Durante o período da República Velha, era muito comum que os brasileiros não conseguissem ter uma escolha autônoma do voto, tendo em vista a facilidade de serem coagidos por um chefe político ou cabo eleitoral. Com o avanço do sistema eleitoral, é possível garantir o voto secreto ao eleitor. No entanto, com a polarização deste pleito, o assédio eleitoral tem crescido.

Na opinião do presidente  da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paraíba (OAB-PB), Marcio Maranhão, o país tem vivido um retrocesso em sua democracia, nunca visto desde a Constituição de 1988. “O que estamos vivendo nessa eleição é algo que nunca tinha se imaginado que poderia acontecer, é a tentativa do voto de cabresto, quando o voto era direcionado, não tínhamos o voto livre”, ressaltou.

O assédio eleitoral acontece, principalmente, no âmbito do trabalho, entre empregador e empregado, por existir uma relação de poder econômico. Em todo o país, o Ministério Público do Trabalho já registrou mais de 900 casos de assédio eleitoral. São empregadores que usam o seu poder econômico sobre os seus empregadores para coagi-los a votar em determinado candidato. A Paraíba é o Estado do Nordeste com maior número de casos, já foram registrados cerca de 40 pelo MPT do Estado.

De acordo com o procurador do trabalho, Eduardo Varandas, em comparação com outras Eleições, o pleito de 2022 vivencia o período com maior número de casos de assédio eleitoral. Ele explicou que sempre houveram casos na Paraíba, principalmente relacionados a gestores públicos que obrigavam seus servidores a trabalhar em campanha. No entanto, neste período, além do aumento nos números, a abrangência dos registros também se estendeu.

O procurador explicou que é possível ver a coação, principalmente a respeito do cargo para presidente da República,  em muitos setores econômicos, a exemplo de lojistas, comércios e restaurantes. “É muito triste, nunca vi denúncias desse tipo com tanta frequência como nesse período eleitoral. Sempre houve denúncias de gestores públicos obrigando servidores a trabalhar em campanha, por exemplo, mas nunca tantas atividades diferentes estão sendo denunciadas como nessas eleições”, comentou o procurador.

Quando é crime?

De acordo com o Ministério Público Eleitoral, assédio eleitoral é considerado crime com pena que pode variar entre seis meses e quatro anos de reclusão, além de uma multa. A procuradora Regional Eleitoral, Acassia Suassuna, explicou que o crime está previsto no Código Eleitoral, em seu artigo 297. “Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio é crime. Essa pena é de detenção de até seis meses e também prevê  pagamento de multa. Ou seja, o exercício do voto  do trabalhador não pode ser impedido ou embaraçado pelo empregador, inclusive isso configura um abuso do poder diretivo, nisso eu tenho uma repercussão tanto criminal como na seara trabalhista”, esclareceu

Além disso, outros dois crimes podem ser cometidos, o de corrupção e o de violência ou ameaça. “O artigo 299, que a gente sempre fala, é o crime de corrupção, que é oferecer, prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem, ainda que essa oferta não seja aceita. Nesse caso, a pena já é maior, de reclusão de até quatro anos. Além do artigo 301, quando se usa de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar ou não votar, ou seja, qualquer conduta que viole o exercício, o direito fundamental do cidadão do seu voto, será apurada tanto no âmbito criminal, como no âmbito civil”, enfatizou.

 Assédio Eleitoral Religioso é crime?

Além do âmbito trabalhista, o assédio eleitoral também pode ser religioso, segundo explicou o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-PB. “Tanto nas esferas do trabalho ou religioso, são pessoas tentando influenciar o eleitor de forma ilegal, não com propostas, mas com ameaças e constrangimentos que levam o eleitor a perder  a autonomia do seu voto”.

Enquanto o empregador usa de ameaças relacionadas ao poder econômico, na religião, o assédio acontece quando o líder religioso usa o seu poder para banir um fiel de sua congregação “Muitas vezes aquele líder é tido como uma referência, se ele diz que há uma disputa entre o bem ou o mal, as pessoas entendem que é aquilo que acontece

quando a minha igreja diz que o candidato tal tem pacto com o diabo, eu vou acreditar”, comentou  Márcio Maranhão.

Por outro lado, o advogado e professor de teologia, Anderson Paz, acredita que definir crime de assédio eleitoral em uma denominação religiosa é difícil, por se tratar de algo mais subjetivo. “Um pastor, padre ou um líder dificilmente teria instrumentos de violência ou como coagir alguém de grave ameaça, como prevê a lei. Apenas poderia usar palavras de natureza estritamente religiosa, dizendo, por exemplo, que você que a pessoa estaria em pecado por votar em determinado candidato”.

O teólogo acredita que, nesses casos, o constrangimento é mais comum. “Fica difícil de configurar um caso concreto deste que se encaixe na lei. “Há casos que temos visto de pastores e padres que, no âmbito público, em um culto ou missa, constrangem pessoas citando nominalmente como sendo alguém que vai votar em determinado candidato. A justiça pode entender isso como passível de indenização por dano moral, por se tratar de uma violência psicológica. Mas no âmbito privado é mais difícil de comprovar”.

Religião e política

Na opinião do presidente da Comissão de Direito Eleitoral, Márcio Maranhão, a prática de assédio na religião pode levar o eleitor a deixar de escolher o candidato por suas propostas e passar a olhá-lo de forma pessoal. “Afeta porque se perde o foco das propostas para se discutir quem é bom e quem é ruim. Todos nós temos momentos de luz e trevas, discutir num momento desses é complicado. O melhor é discutir propostas, discutir esse tema é muito mais importante do que discutir o bem contra o mal”.

Ele pontuou, ainda, que é possível para o líder religioso comentar sobre qual candidato seria melhor diante de suas propostas, mas sem atingir o direito do eleitor de escolher o voto. “Na verdade, o que não pode haver é o assédio. Discussões sobre quem é o melhor, com melhores propostas, é natural, faz parte. O que não é uma ameaça de expulsar o cidadão da congregação ou mesmo acusá-lo de estar fazendo parte de um pacto por votar em um determinado candidato”.

Enquanto isso, o advogado e professor de teologia, Anderson Paz, acredita que as crenças sempre vão influenciar de alguma forma a escolha do voto e que isso não pode ser excluído.  “Algumas visões tentam excluir várias questões e crenças que as pessoas têm sobre a vida. Temas como aborto, pautas de gênero na escola, dentre outros, anteriormente não eram discutidas porque se pensava que essas eram questões privadas, mas na medida em que elas foram se tornando publicas, as pessoas que tem suas crenças e valores começaram a debater suas concepções de mundo que impactam a administração do Estado e o papel do Estado”, pontuou.

Anderson Paz não anula a importância de discussão de projetos para definir os governantes, no entanto, ressalta que é possível discutir temas relativos a religião sem ferir direitos e leis. “Eu entendo que mesmo sendo uma questão fundamental discutir projetos de governo para enfrentar problemas concretos, existem questões de valores sobre o papel do estado, sobre moralidade, que impactam fundamentalmente nas próprias relações sociais. Contanto que os temas sejam discutidos dentro dos limites da lei, de forma a respeitar o contraditório, debatendo de forma civilizada, sem violência”.

Matéria assinada por Iluska Cavalcante

Foto: Yan Krukov/ Pexels – https://www.pexels.com/pt-br/foto/bravo-irritado-zangado-com-raiva-7640818/

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