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A quem interessa o embate Congresso Nacional X STF?

Após o advento do bolsonarismo no país, a relação entre as instituições democráticas e os seguidores dessa seita política sofreu seguidos abalos. Os tremores são muitos.

Atualmente, o Congresso Nacional, que constantemente faz pressão e chantagem política contra o governo federal, decidiu encarar a missão de “peitar” o Supremo Tribunal Federal. Caso mais recente foi o marco temporal das terras indígenas, cuja decisão do Supremo não é aceita por um considerável número de deputados federais ligados aos grandes proprietários rurais. Para se ter uma ideia da força do agronegócio nas decisões do Congresso Nacional, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) conta com 374 parlamentares na Câmara e no Senado. Uma força e tanto que conta com expressivo número de bolsonaristas-raiz.

O caso polêmico do marco temporal, que provocou a reação da Câmara dos Deputados, foi o estopim para um confronto bem maior e mais complexo: começa a tramitar na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite ao Legislativo derrubar decisões STF que “extrapolem os limites constitucionais”, o que parece um argumento um tanto líquido e que pode gerar inúmeras interpretações. Seria um inusitado poder de veto que poria em xeque o princípio da separação dos poderes, protegido pelo Art. nº 60 da Constituição Federal: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação de poderes”.

A proposta – PEC nº 50/2023  – já recebeu 175 assinaturas, quatro a mais do que o necessário. Para ser aprovada, será necessária a votação em dois turnos, com 308 votos na Câmara e 49 no Senado.

O novo presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, ao tomar posse na sexta-feira, preferiu minimizar as rusgas entre as duas instituições e adotou o discurso do diálogo que, a julgar pela ofensiva parlamentar, não parece que surtirá efeito. Chegou a descartar a existência de uma crise nessa relação e apostou na “boa vontade e na boa-fé”.

A origem

A arenga entre Congresso e STF que deu origem a essa ofensiva dos parlamentares se fortaleceu neste ano. Causou espasmos conservadores a decisão do Supremo de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal.

Não bastasse, vieram, a seguir, a questão do marco temporal das terras indígenas e, mais recentemente, a votação sobre a legalização do aborto até 12 semanas de gestação.

As atribuições vêm se chocando, a partir de discussões sobre ativismo judicial do STF e desleixo do Congresso Nacional em relação a temas que, politicamente, são desgastantes.

As atribuições de ambas as instituições são bem definidas na Constituição brasileira: É dever do Legislativo criar leis, enquanto a atribuição do STF é a de julgar casos de constitucionalidade e inconstitucionalidade. Daí ser chamado de “guardião da Constituição”.

Ultimamente, os papéis parecem se confundir, diante da passividade do Congresso em relação a temas controversos que podem causar prejuízos políticos aos parlamentares.

A intenção dos parlamentares é que o Supremo não possa mais criar regulamentações sobre temas que estão sendo debatidos no Congresso Nacional. O problema é que há pautas que “estão sendo debatidas” há anos, às vezes décadas, na Câmara dos Deputados.

A reação

A intenção dos deputados federais é alterar o art. 49 da Constituição Federal, que passaria, pela proposta, a vigorar acrescido do seguinte inciso XIX: “deliberar, por três quintos dos membros de cada Casa legislativa, em dois turnos, sobre projeto de Decreto Legislativo do Congresso Nacional, apresentado por 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que proponha sustar decisão do Supremo Tribunal Federal que tenha transitado em julgado, e que extrapole os limites constitucionais”.

Mas o que seria extrapolar os limites constitucionais? Como interpretar isso sem ferir esses mesmos limites constitucionais que, inclusive, separam os poderes?

Seria essa a primeira vez, desde a Constituição Cidadã, que o Congresso Nacional poderia intervir nos julgamentos do Supremo, revertendo perigosamente suas decisões.

Uma coisa é certa: se os parlamentares levarem adiante essa PEC, estará instaurando a mais perigosa crise entre os Poderes no país. A quem interessa?

Ao povo é que não é.

 

Gisa Veiga

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