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Sítio Arqueológico Pedra do Tubarão, em pleno Semiárido paraibano, traz intrigante arte rupestre com seis figuras da fauna marinha

Mais de 140 quilômetros separam as cidades de Pocinhos, no Agreste paraibano, e a capital do estado, João Pessoa, no Litoral. Mas, de acordo com o arqueólogo e paleontólogo Juvandi Souza Santos, diretor do Laboratório de Paleontologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), o Sítio Arqueológico Pedra do Tubarão, em pleno Semiárido, se coloca num quadro de arte rupestre dos mais emblemáticos do Brasil, por abrigar seis figuras de tonalidade vermelha representando a fauna marinha. Como pode ser?

Algum povo que fugia do Litoral para evitar doenças ou perseguições resolveu gravar ali, em pleno Agreste, num rochedo milenar, espécies marinhas diversas, para sentir-se mais perto do ambiente de seus ancestrais? É a tese mais provável pelo paleontólogo, até surgir, nesse novelo de mistério, uma opinião popular: “Aqui, há milhões de ano, era mar, não é doutor?”. Se era ou não, as evidências são claras. Em Cubati e Pedra Lavrada, nos beirais do Curimataú e do Seridó paraibano, alguns poços escavados em áreas de extração de minérios revelaram veios d’água com teor salino superior ao do mar. E também há espécies de crustáceos já petrificados, próprios da fauna oceânica.

“Mar” do Agreste Sítio Arqueológico Pedra do Tubarão, em pleno Semiárido paraibano, se coloca num quadro de arte rupestre dos mais emblemáticos do Brasil, por abrigar seis figuras representando a fauna marinha No sítio de Pocinhos, foram identificadas ao menos seis pinturas em tonalidade vermelha (um tubarão, um jacaré, uma estrela-do-mar, uma lula, uma água-viva e uma tartaruga marinha) que fogem por completo do geral da arte rupestre da região, especialmente os grafismos da tradição Agreste existente no sítio figuras zoomorfas (coruja, águia etc.) e figuras geométricas, ditas como sendo grafismos puros.

Essas figuras, que não se enquadram em um padrão estilístico pré-determinado, já que não representam a fauna local, mas sim, a fauna marítima, próxima às praias, tem chamado a atenção de alguns frequentadores do local, levando-os a imaginar e questionar o que teria levado um grupo humano a pintar tais figuras de representação marinha, naquele lugar ermo, seco, de Caatinga e de clima tropical semiárido. De forma geral, representações de animais marinhos em sítios arqueológicos de arte rupestre são raros em todo o planeta. Os casos de figuras rupestres em paredões rochosos no interior dos continentes, quando existem, são poucos notificados.

Um caso de divulgação mais recente foi o publicado pela Revista Antiquity, que mostrou o caso de descobertas de pinturas rupestres na costa do Deserto do Atacama, no território chileno, em El Médano, em pleno deserto. Essas pinturas rupestres mostram uma possível caça a animais da fauna marinha existente na região do Chile, talvez baleias, tubarões e leões -marinhos. Qual o padrão estilístico rupestre (tradição, subtradição e estilo) no qual pode-se enquadrar o conjunto de figuras rupestres que em parte existem no Sítio Arqueológico Pedra do Tubarão? Existe recorrência dessas figuras rupestres que apresenta a fauna marinha em outros sítios do interior do Brasil? Essas indagações permanecem.

Hipóteses para explicar pinturas

Outras perguntas persistem. Esses seriam desenhos que de fato mostram representações desses animais encontrados no mar? Por que essas figuras rupestres aparecem em um riacho do tipo efêmero? Quais hipóteses levantadas para explicar essas pinturas? Qual a visão da população sobre essas figuras enigmáticas?

Essas hipóteses e questionamentos levantados foram, em parte, provenientes de artigo publicado em 2015 por Santos Júnior, em que os autores buscam explicações para figuras enigmáticas ostentadas em possíveis embarcações da região do Seridó do Rio Grande do Norte. Assim sendo, nesse primeiro momento, já que esse tipo de pintura tem demonstrado certa raridade nos Sertões do Brasil, a equipe arqueológica da UEPB aponta algumas explicações preliminares para os questionamentos.

“Aqui apresentamos duas linhas de raciocínio: grupos humanos pré-históricos que habitavam o Litoral e suas proximidades, por vários motivos como guerra, fome, doenças etc., foram obrigados a deixar o território em que viviam e aos poucos subiram o Planalto da Borborema e, também, por motivos que até hoje são desconhecidos, chegaram à região de Pocinhos, onde se estabeleceram por algum tempo”.

Desenhos de tubarão e jacaré em pleno Semiárido

“Em meio às figuras emblemáticas, o sítio em Pocinhos apresenta dezenas de imagens que, de forma primária, são enquadradas na tradição Agreste de arte rupestre. No Brasil, são poucos os sítios de arte rupestre com essas características, assim sendo, devemos mostrar algumas comparações feitas com sítios que apresentam animais da fauna marítima, especialmente em outro país, por causa da escassez de informações sobre sítios com tais características no Brasil”, diz Juvandi Santos, com sua autoridade de professor pós-doutor do Departamento de História da UEPB, em Campina Grande. Ele também é coordenador do Museu de História Natural do mesmo órgão e do respectivo Laboratório de Arqueologia e Paleontologia.

“Em excelente trabalho científico, Demétrio Mutzenberg e Francisco de Assis de Matos nos informam que o estado da Paraíba apresenta um amplo acervo de vestígios arqueológicos que atestam a ocupação de seu território desde tempos pré-históricos”, observa Juvandi. Esses vestígios arqueológicos aparecem de todos os tipos: cerâmica, materiais líticos, grés, faiança e, principalmente, figuras rupestres, em centenas de sítios arqueológicos, com gravuras e pinturas, muitos deles únicos, de rara beleza, e de importância singular para a arqueologia brasileira, a exemplo das famosas Itacoatiaras do Ingá e da Pedra da Cobra, em Pocinhos, entre outros.

Muitas dessas ocorrências arqueológicas são vistas pelos moradores locais como algo importante, que os une de alguma forma aos antigos habitantes pré-históricos que deixaram gravados e pintados nas rochas marcas indeléveis de sua existência e passagem por ali. Mesmo a Paraíba apresentando uma grande concentração de sítios rupestres, existe um alerta: Mutzemberg e Matos admitem que “não existe nenhuma cronologia para a área”, o que só demonstra as parcas pesquisas sobre esses vestígios arqueológicos no interior paraibano.

Afirmar que esses sistemas gráficos são, até certo ponto, o modelo gráfico de um grupo, aquilo que os define enquanto grupos diferentes, um vestígio, dentre muitos, que pode servir para traçar o perfil cultural daquele grupo humano. Enfim, a Paraíba oferece aos estudos da arqueologia da arte rupestre uma infinidade de exemplos. Que podem surgir como os mais diversificadas possíveis e, também, enigmáticos, no sentido de que figuras rupestres encontradas em certos sítios não se enquadram em padrões rupestres, ou seja, nas tradições, subtradições e estilos já consolidados por grandes arqueólogos do Brasil.

Matéria assinada por Hilton Gouvêa para o Jornal a União

Arte: Tônio, para o Jornal A União

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