Política

Marcelo Queiroga defende reunião com teor golpista em entrevista à Folha

Ex-ministros do governo Jair Bolsonaro (PL), Marcelo Queiroga (Saúde) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) foram os únicos participantes do Executivo na reunião ministerial de julho de 2022 que defenderam as declarações feitas no encontro.

Folha procurou todos os 31 participantes da reunião, conduzida por Bolsonaro e alvo da Polícia Federal pelo teor golpista de algumas manifestações.

A maioria dos integrantes do antigo governo optou pelo silêncio. Único integrante do Legislativo na ocasião, o deputado federal Filipe Barros (PL-PR) disse que se respeitou o ordenamento nacional no encontro.

O principal defensor foi Marcelo Queiroga. Em texto, o ex-ministro da Saúde disse que “não houve nessa reunião, e em nenhuma outra, tratativa de golpe ou coisa parecida”.

“As afirmações em contrário servem à narrativa da esquerda para tentar perseguir as lideranças do PL, que é o maior partido do Brasil”, prosseguiu.

Sucessor de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, Queiroga ainda disse que não faria nenhum reparo às declarações proferidas por Bolsonaro e aliados durante a reunião.

“O presidente Bolsonaro é um democrata. Veja quantas eleições ele participou. Veja que ele pediu que se gravasse a fala dele. Se houvesse uma intenção planejada de golpe seria numa reunião aberta? Não havia intenção de golpe. Havia um descontentamento público com o tratamento desequilibrado do processo. Mas isso já foi superado. Vamos à frente!”

Marcelo Queiroga é filiado ao PL e disputa o apoio de Bolsonaro para ser o pré-candidato da sigla à Prefeitura de João Pessoa (PB).

Rosário, em linha semelhante, defendeu que suas declarações na reunião ministerial não fugiram da normalidade.

Na gravação, o ex-ministro da CGU (Controladoria-Geral da União) diz que o órgão deveria atuar em conjunto com a Polícia Federal e as Forças Armadas para dar força à atuação crítica dos militares ao sistema eleitoral.

“Aí já não é mais as Forças Armadas falando. São três instituições. E a gente tem que se preparar para atuar em força-tarefa nesse negócio”, disse Rosário.

“Tudo o que foi dito durante a reunião pelo então Controlador-Geral da União, Wagner Rosário, teve como objetivo a garantia de que as eleições transcorressem com normalidade, e que houvesse fiscalização que garantisse plena segurança, transparência e confiabilidade para o processo eleitoral. Qualquer outra leitura acerca do que foi dito trata-se de mera ilação”, disse o ex-ministro, em nota, após a operação da Polícia Federal.

Rosário ocupa hoje o cargo de chefe da Controladoria-Geral do Estado de São Paulo, nomeado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Procurado novamente pela reportagem, ele reafirmou a nota divulgada no dia da operação.

Da lista dos 31 participantes, 13 não quiseram se manifestar e outros 7 não responderam aos contatos feitos diretamente ou via assessoria. A Folha não conseguiu localizar 6 dos participantes.

Alguns dos ministros estiveram só em uma parte da reunião, como Fábio Faria (Comunicações). Além dos que estavam sentados à mesa, havia outras pessoas de escalões inferiores do governo em cadeiras laterais.

A gravação da reunião foi obtida pela Polícia Federal entre os documentos encontrados no computador do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

O conteúdo das declarações foi apresentado ao STF (Supremo Tribunal Federal) como prova da participação de ex-ministros em planos golpistas, que envolviam a divulgação de informações falsas sobre o processo eleitoral e ataques às urnas eletrônicas.

No início da reunião, Bolsonaro ordenou que seu auxiliares repetissem falas, sem provas, sobre fraudes nas urnas eletrônicas, disse que ia colocar o seu exército na rua e que a Justiça estava preparando a vitória de Lula na “fraude”.

“Ninguém quer virar a mesa, ninguém quer dar o golpe, ninguém quer botar tropa na rua, fechar isso, fechar aquilo —mas nós estamos vendo o que está acontecendo. Vamos esperar o quê?”, afirmou Bolsonaro.

A reunião contou ainda com intervenções de então ministros que, segundo a decisão de Alexandre de Moraes, do STF, revelam “arranjo de dinâmica golpista […] para amplificar a massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a Justiça Federal”.

Em um dos trechos, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira trata o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), no jargão militar, como um inimigo a ser vencido.

Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional, disse que o governo precisaria agir efusivamente antes das eleições porque, depois, “não vai ter revisão do VAR”. “Então o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições.”

O general Mario Fernandes, número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, foi na mesma linha. “No momento que acontecer [a suposta fraude], que que vai… É 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar? É um atraso de tudo que se avançou no país? Porque isso vai acontecer.”

Então ministro da Justiça, Anderson Torres disse na reunião que, caso o PT ganhasse a eleição, os integrantes do governo Bolsonaro que estavam na reunião iriam se dar mal.

Torres, que se tornou secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, foi preso sob ordem de Moraes após o 8 de janeiro e solto apenas em maio.

Procurado, o advogado Eumar Novacki disse em nota sobre a reunião que Torres “respeita a Justiça e confia na independência das instituições brasileiras”.

O ex-ministro “reafirma sua disposição para cooperar com as investigações, pois é o maior interessado na apuração isenta dos lamentáveis atos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023” e “aguarda, com serenidade e consciência tranquila, os desdobramentos das investigações, pronto para esclarecer qualquer episódio, caso haja necessidade”.

Nesta sexta-feira (16), a AGU (Advocacia-Geral da União) abriu uma instrução preliminar (investigação prévia) e exonerou de cargo de direção um dos servidores que participaram da reunião ministerial, Adler Anaximandro Alves, que na época era secretário-geral de Consultoria do órgão.

Adler apresentou à Folha documentos mostrando que ele foi convocado ao Palácio do Planalto apenas para falar sobre a Cartilha da AGU que orienta agentes públicos sobre condutas vedadas durante o período eleitoral —tema que não chegou a ser debatido.

Ele disse ainda ter certeza de que a apuração interna da AGU irá comprovar que sua conduta se limitou ao estrito cumprimento de dever legal.

O deputado Filipe Barros disse que sua participação na reunião se limitou a falar sobre a proposta de emenda à Constituição do voto impresso, da qual ele foi relator na Câmara.

“Em tom de desabafo, mas fiel ao ordenamento constitucional, o presidente Bolsonaro pediu a todos seus ministros que reforçassem o apoio público a pautas defendidas pelo governo. Entre elas, a PEC do voto do impresso, da qual fui relator”, disse o deputado. “A minha participação se resumiu a isso.”

 

Folha de S. Paulo

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