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Jornalistas indiciados por “escândalo do pix” movimentaram R$ 3,4 milhões em um ano

OUTRO LADO: em depoimento, suspeitos negaram crimes e disseram não ter participação no esquema

Dois jornalistas indiciados por suspeita de desviar doações que seriam destinadas a famílias vulneráveis na Bahia movimentaram em suas contas bancárias, entre saídas e entradas, cerca de R$ 3,4 milhões em menos de um ano.

O caso, que ficou conhecido como “escândalo do pix”, é objeto de investigação pela Polícia Civil da Bahia há pouco mais de um ano e foi concluído em dezembro com o indiciamento de 12 pessoas. Entre eles estão os jornalistas Marcelo Castro, na época repórter do Balanço Geral, da Record TV Itapoan, e Jamerson Oliveira, que era editor-chefe do programa.

O inquérito foi remetido ao Ministério Público do estado, que solicitou novas diligências para coleta de provas. Em depoimento, os dois jornalistas negaram tanto participação em crimes e quanto as ações descritas no documento.

Foto mostra homem branco, de cabelo preto. Ele veste um colete à prova de balas e segura um microfone. Ao fundo, há uma viatura de polícia estacionada
Jornalista Marcelo Castro é suspeito de desviar recursos de doações feitas por pix em programa de TV – Reprodução / Instagram

Folha apurou com autoridades que atuam no caso que, em pouco menos de um ano, Castro movimentou R$ 1,2 milhão em suas contas bancárias, enquanto Oliveira registrou R$ 2,2 milhões entre saídas e entradas no mesmo período. Os valores foram considerados incompatíveis com a renda de ambos.

No inquérito, foi pedido um bloqueio de cerca de R$ 500 mil dos investigados, valor semelhante à estimativa de recursos que teriam sido desviados no esquema. O número foi revelado em reportagem publicada nesta quinta-feira (23) na revista Piauí e confirmado pela Folha.

Os dois jornalistas foram indiciados por suspeita dos crimes de estelionato, organização criminosa e lavagem de dinheiro, cujas penas variam entre 8 e 21 anos de prisão.

Dentre os demais indiciados estão um amigo de Jamerson Oliveira apontado como operador do esquema e pessoas que emprestaram suas chaves pix para que fossem usadas no programa de tevê.

No programa, o jornalista pedia doações por meio de uma chave pix, com a promessa de que os recursos doados chegariam às famílias necessitadas.

O esquema foi descoberto em março de 2023, após o jogador de futebol baiano Anderson Talisca, atualmente no Al-Nassr, decidir fazer uma doação de R$ 70 mil após assistir uma reportagem.

O dinheiro seria doado para a família do menino Guilherme, de 1 ano, que fazia um tratamento de câncer e precisava de dinheiro para comprar um medicamento para tratamento dos tumores.

Em contato com o repórter, contudo, um assessor do jogador constou que o número do pix repassado para doação –que pertencia a uma pessoa da família da criança– não era o mesmo que apareceu na televisão durante a exibição da reportagem.

O caso acendeu o alerta da emissora, que instaurou um procedimento interno e protocolou uma notícia-crime para que o caso fosse investigado pela polícia. Dias depois, a Record TV Itapoan demitiu Marcelo Castro e Jamerson Oliveira.

A criança mostrada na reportagem morreu semanas depois da exibição do programa. A polícia apurou que apenas uma parte dos recursos arrecadados por meio de doações via pix chegou à família.

A partir dos primeiros indícios, a polícia instaurou uma investigação e identificou outros 11 casos de reportagens com pedidos de doações nos quais a chave pix que era divulgada não pertencia a familiares dos necessitados.

Parte dos recursos foi para contas de um amigo de infância de Jamerson, apontado como operador de campo do esquema. Entre as pessoas que cederam chaves pix para receber doações estão a mãe e a companheira do operador.

As famílias que fizeram os apelos no programa de tevê disseram em depoimento ter estranhado os valores que eram repassados, quase sempre pequenos e, em alguns casos, com números redondos.

Depoentes também afirmaram que o repórter tentava induzir as famílias a pedir mais recursos do que o que precisavam e a encenar limitações para comover os espectadores e aumentar o volume de doações.

A mãe de um paciente com hidrocefalia, que teve sua história contada em uma das reportagens, disse que o jornalista pediu que a criança se atirasse ao chão, mas a família se negou a fazer a encenação.

“Eles agiram para subtrair valores de uma causa nobre. São crianças, pessoas que inclusive faleceram. Talvez não pudesse ter impedido a morte, mas aliviava a dor. Em troca disso, buscavam uma vida de ostentação financeira”, afirma o delegado Charles Leão, responsável pelo caso.

“Eles achavam que nunca a verdade chegaria para eles, seja por poder ou status. Do outro lado, estavam pessoas simples, que não sabem dos seus direitos.”

Responsável pela defesa de Marcelo Castro e Jamerson Oliveira, o advogado Marcus Rodrigues afirmou que o processo se encontra em sigilo absoluto, e por tal motivo não pode passar mais informações.

Também destacou que a defesa não teve acesso a medidas ocultas, caso das quebras de sigilos bancários, mesmo com procuração aos autos, e classificou a medida como “um latente cerceamento dos direitos dos defendidos”.

Afirmou ainda que teve acesso apenas a “diversas provas testemunhais que foram colhidas ao arrepio da lei” e que, por isso, não se sente confortável em comentar a movimentação financeira dos clientes: “Esperamos esperançosos que a justiça seja feita.”.

Em depoimento, os jornalistas disseram que conheciam o homem apontado como operador do esquema e tinham um histórico de transações financeiras com ele por conta de empréstimos de agiotagem. Também afirmaram ser vítimas do operador.

Em nota, a defesa da Record TV Itapoan disse que adotou providências assim que tomou conhecimento da fraude que envolvia dois funcionários da emissora, incluindo um pedido de instauração de inquérito policial. Os funcionários foram desligados de suas funções.

Após ser demitido, Marcelo Castro passou a postar reportagens em seu perfil no Instagram e em um site próprio batizado de Alô Juca, referência a um bordão que usava para falar com policiais que pediam anonimato.

Com foco na cobertura policial, ganhou visibilidade em meio ao recrudescimento da crise na segurança pública na Bahia, com o avanço da guerra entre facções criminosas de Salvador.

Com o sucesso, foi contratado pela TV Aratu para apresentar um programa policial, mesmo já tendo sido indiciado pela polícia. O programa estreou em 15 de abril, na faixa de horário do meio-dia, o que o tornou um concorrente direto do Balanço Geral.

Em 2016, Marcelo Castro foi candidato a vereador em Salvador pelo PRB, atual Republicanos, mas teve apenas 2.828 votos e não foi eleito. Na época, ele declarou R$ 54,6 mil em bens à Justiça Eleitoral.

Folha/UOL

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