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ESPECIAL – Paraíba registra 225 pessoas desaparecidas no primeiro trimestre

Para os familiares de um desaparecido, o tempo segue em um ritmo diferente. Enquanto esperam notícias do seu ente querido, os ponteiros do relógio parecem não sair do lugar, ao mesmo tempo em que a angústia aumenta a cada minuto de ausência. Aqui na Paraíba, 225 famílias estão sentindo na pele a dor de não saber o paradeiro de um parente, com uma média de mais de dois desaparecimentos por dia e 75 por mês, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Esse número é 47,06% maior que o mesmo período de 2023, com o registro de 153 pessoas desaparecidas.

Entre as pessoas desaparecidas, 72% são homens e 28%, mulheres. No recorte da faixa etária, as pessoas acima de 18 anos somam a maior parte dos casos, com 76,8%. Os dados, consolidados na plataforma Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), mostram que a situação na Paraíba é melhor que de 15 estados brasileiros. No recorte por região, o estado paraibano ocupa a quarta posição no número de pessoas desaparecidas, atrás da Bahia, Ceará e Pernambuco. No ano passado, o estado ocupava a quinta posição.

De acordo com a lei 13.812/2019, a busca e a localização de pessoas desaparecidas são consideradas prioridade com caráter de urgência pelo poder público. Por isso, é imprescindível que os familiares comuniquem a situação às autoridades policiais o mais rápido possível. “Quando não se sabe o que aconteceu, onde a pessoa está ou ela não é localizada nos lugares em que costuma frequentar, essa comunicação às autoridades policiais deve ser imediata. Não precisa esperar 24 horas. Todo minuto é importante. O quanto antes for comunicado, mais existem evidências desse suposto desaparecimento e mais fácil se torna a localização”, explica o delegado Pablo Everton.

Aqui no estado, há Delegacias de Crimes Contra a Pessoa em Campina Grande, João Pessoa e Patos, além das delegacias seccionais em diversos outros municípios paraibanos, com polos de plantão 24 horas. Entretanto, Pablo Everton destaca que todas as delegacias estão aptas a receber a denúncia e já iniciar as investigações. “O principal é que a denúncia seja feita o quanto antes, independente da delegacia. Todos os profissionais estão aptos a realizar a investigação de maneira minuciosa, ao mesmo tempo em que oferecem apoio aos familiares”, ressalta.

Nesse processo, o compartilhamento de informaçõescom o Ministério Público da Paraíba (MPPB) tem feito a diferença. Desde 2017,a instituição passou a integrar o Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (Sinalid), com a criação do Programa de Localização e Identificação de Pessoas Desaparecidas do Estado da Paraíba (Plid-PB). “Essa integração ajuda na localização de pessoas desaparecidas na Paraíba que possam ser encontradas ou terem seus corpos identificados em outros estados, por exemplo. Alguns órgãos cooperam com o Plid quando há diligências, a exemplo da Polícia Rodoviária Federal, da própria Polícia Civil e do Instituto de Polícia Científica, por meio de viabilização de exames e de resultados de exames de DNA”, explica Liana Carvalho, promotora de Justiça do MPPB e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Cidadania, órgão vinculado ao Plid-PB.

Desde2016, a Paraíba conta, também, com o apoio do Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba (NETDP/PB) e do Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba (CETDP/PB). Ligados à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano(SEDH), suas atuações são focadasna promoção de ações de prevenção e repressão a esses casos na esfera estadual.

Desaparecimento de crianças e adolescentes

Embora sejam, apenas, 19,5% do total de notificações de pessoas desaparecidas na Paraíba, os casos de criança e adolescentes costumam ser mais delicados.Por isso, a Lei nº 11.259/2005 determina a investigação policial imediata em casos de desaparecimento desse público. Ela é conhecida como “Lei da Busca Imediata”, justamente pelo mito das “24h”.

À frente do núcleo de homicídios da delegacia seccional de Solânea, próximo a Bananeiras, Pablo Everton presidiu o inquérito do desaparecimento de Ana Sophia, de oito anos, um dos casos mais repercutidos no estado. A criança de oito anos desapareceu por volta das 12h do dia 4 de julho de 2023, no distrito de Roma, em Bananeiras. Imagens de câmeras de segurança mostraram Ana Sophia entrando na casa de Tiago Fontes. Depois, a menina não foi mais vista.

Foram seis meses de investigação intensa até chegar à conclusão do caso, no início deste mês. Para chegar ao desfecho, foram realizadas ações coordenadas, de modo a englobar diversas linhas de investigação. “Trabalhamos em conjunto com o Corpo de Bombeiros e outros órgãos, para atuar em várias frentes ao mesmo tempo. Era uma situação muito complexa, que precisava de olhares atentos em cada especialidade”, relata Pablo.

Sobre o caso, o delegado afirma que a parte mais difícil ainda é a incerteza. Para ele, a falta de notícias é pior do que o luto por enterrar alguém. “A verdade é libertadora, por pior que seja. Você encara aquele momento difícil, às vezes com ajuda de um profissional, mas, com o tempo, passa a conseguir lidar com a perda. Mas, a incerteza cria uma esperança eterna de que um dia tudo vai voltar ao normal. A pessoa vai ser sempre pela metade”, lamenta Pablo.

Além de Ana Sophia, Pablo Everton afirma que a delegacia já recebeu diversas outras denúncias de desaparecimento, quase todas solucionadas em cerca de 48 horas. “Na maioria das vezes, conseguimos achar a pessoa rápido, sem que ela seja incluída na base de dados dos desaparecidos. É algo muito comum, especialmente idosos e pessoas neurodivergentes. Por isso, reforço, novamente, a importância de nos procurarem o mais rápido possível”, finaliza o delegado.

Como ficam os bens da pessoa desaparecida?

O desaparecimento de pessoas, além da tristeza e angústia dos que ficam, produz reflexos jurídicos que afetam várias esferas, como a possibilidade de um novo casamento, a partilha de bens, os inventários e, até, pagamento de impostos. Segundo a advogada Fernanda Carvalho, a legislação brasileira considera a situação como circunstância excepcional e garante os direitos da família por meio da morte presumida, um procedimento legal para atestar o falecimento de pessoas cujos corpos não foram encontrados.

“Graças a esse instrumento, os familiares de vítimas de catástrofes ou de pessoas que simplesmente desapareceram sem deixar vestígios, podem garantir judicialmente seus direitos à herança, pensões, seguros de vida, indenizações e outros procedimentos legais, como encerramento de conta bancária e cancelamento do CPF desaparecido”, detalha a advogada.

Legalmente, o procedimento exige a intervenção do Ministério Público para solicitar ao juiz a declaração de morte presumida, após a comprovação de que a pessoa está desaparecida. “Para isso, é importante que os familiares reúnam toda documentação que comprove a ausência do “sujeito”, como testemunhas do desaparecimento e boletim de ocorrência”, destaca.

 

Passo a passo da denúncia

Cada minuto é precioso para as pessoas que procuram um familiar desaparecido. Por isso, o Ministério Público, por meio de Programa de Localização e Identificação de Pessoas Desaparecidas do Estado da Paraíba (Plid),elaborou uma cartilha com orientações preventivas as e direitos na busca de uma pessoa desaparecida. (incluir QrCode – link: https://www.mppb.mp.br/images/arquivos/Final_-_Cartilha_de_Preveno_e_Enfrentamento_ao_Desaparecimento-MPPB.pdf)

 

Saiba Mais

Diante da situação do desaparecimento, familiares e amigos apresentam múltiplos sentimentos. Entre eles, a angústia, medo, tristeza, desespero, culpa, cansaço físico e mental, incertezas e ansiedade. Contudo, é fundamental retornar e buscar força junto às instituições e aos órgãos públicos de forma regular, repassar informações novas e apresentar as necessidades que se desdobram no decorrer das buscas. Na prática, entretanto, o que se percebe é que as famílias não querem relembrar a situação e, sequer, desejam tocar no assunto. Foi o caso desta reportagem. Ao todo, seis famílias foram procuradas para falar sobre o assunto, mas não aceitaram, por sofrerem a cada lembrança do dia em que se deram conta do desaparecimento.

 

Matéria de Lílian Viana para o Jornal A União deste domingo, 12//5

Foto: Nathan Cowley/Pexels

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