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Crescem os crimes de homofobia na Paraíba

Crescem os crimes de homofobia na Paraíba

Os crimes de homofobia e transfobia cresceram 39% em João Pessoa, entre 2023 e 2024, segundo dados da Delegacia de Repressão aos Crimes Homofóbicos, Étnico-raciais e Delitos de Intolerância Religiosa (DECHRADI). O número de registros passou de 115 para 160 ocorrências, nos respectivos anos, chamando a atenção para a situação da população LGBTQIAPNb+ que vive na capital.

Esses números não são apenas estatísticas, por trás deles há vidas marcadas pelo preconceito, como a da cozinheira Lillyan Alcântara, mulher transexual, de 35 anos, que conhece bem os desafios de ser quem é em uma sociedade carregada pela discriminação. Em 2015, ela conquistou seu primeiro emprego formal em um shopping de João Pessoa, depois de se destacar em um curso de manicure e pedicure. A recomendação dos seus professores garantiu-lhe a vaga e Lillyan iniciou sua jornada profissional. Contudo, como tantas outras pessoas trans, seu caminho no mercado de trabalho não foi permeado apenas por talento e dedicação.

O enfrentamento de barreiras invisíveis que as estatísticas ajudam a evidenciar fizeram parte da realidade dela. Apesar da felicidade pelo novo emprego, Lillyan foi discriminada pelo uso do banheiro feminino. Mesmo tendo alterado seu nome desde 2014 — sendo a terceira mulher a conquistar esse direito na Paraíba — ela foi alvo de preconceito praticado pelos funcionários terceirizados responsáveis pela limpeza do shopping. Com frequência, essas pessoas a abordaram, questionando sua identidade de gênero e tentando impedi-la de usar o banheiro feminino.

”Eles me chamavam de ‘traveco’ e ‘viado’”, frisou. Isso fez com que Lillyan evitasse ao máximo o uso do banheiro, mesmo que isso prejudicasse o seu bem-estar. “Eu não estava roubando, não estava fazendo nada de errado. Estava uniformizada, maquiada, trabalhando como qualquer outra mulher. E, mesmo assim, no meu próprio local de trabalho, simplesmente por usar o banheiro feminino, eu ouvia absurdos”, relata a cozinheira.

Justiça

Diante das constantes agressões, ela decidiu expor a situação no Disque 100, serviço de denúncias de violações de Direitos Humanos. Em seguida, Lillyan registrou um boletim de ocorrência e entrou com um processo judicial contra o shopping e a empresa terceirizada. A ação, que já se arrasta por uma década, chegou até o Supremo Tribunal Federal (STF). Em uma decisão recente, foi estipulada uma indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil.

No entanto, para ela, a maior conquista não é o dinheiro, mas a luta pelo respeito e pela garantia de direitos. A situação teve um forte impacto psicológico. Durante dois anos, ela precisou de acompanhamento psiquiátrico e tratamento com medicação, além de enfrentar crises de ansiedade e depressão.

A experiência a afastou da ideia de trabalhar em shopping novamente, mas não a impediu de buscar novas oportunidades. Atualmente, ela é formada em Gastronomia e trabalha na cozinha de um restaurante. “Agora, me sinto respeitada e acolhida”.

Medo em denunciar

A violência sofrida por Lillyan condiz com o relato do delegado da Dechradi, Marcelo Falconi. Segundo ele, os principais tipos de violência registrados por estas vítimas são insultos verbais, ameaças, agressões físicas e violência doméstica. Muitas pessoas hesitam em denunciar por medo de represálias ou descrença na Justiça. No entanto, Marcelo destacou que a delegacia atua para incentivar as denúncias e garantir a segurança. “A delegacia trabalha no sentido de humanizar o atendimento, informando as vítimas dos seus direitos, registrando as ocorrências, e deixando-as mais seguras”.

Sobre as ações da polícia, o delegado explicou que é aberto o inquérito policial (investigação). O primeiro passo é apurar as denúncias prestadas pelas vítimas na delegacia, onde são ouvidas com detalhes a respeito dos fatos, indicando meios de provas (testemunhas e provas técnicas). Por último, o acusado é identificado e ouvido. Com a finalização das investigações, os autos são enviados para o Ministério Público da Paraíba e o Judiciário.

Marcelo conta que um dos desafios nesses casos é com relação às provas. “Quando o crime não deixa vestígios ou não existe sequer prova testemunhal, é mais difícil”. A Dechradi também realiza ações preventivas e educativas para combater a LGBTfobia, mantendo parcerias com as secretarias do Estado, além de Organizações Não Governamentais (ONGs) e entidades envolvidas no atendimento às vítimas LGBTQIAPNb+. O delegado ressalta que, com essas ligações, muitas vezes esses órgãos prestam orientações e já encaminham as vítimas para a delegacia especializada.

 

Crimes aumentam

Na Paraíba, o número de crimes motivados por homofobia aumentou, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024. Em 2022, foram registrados 60 casos, enquanto que em 2023 esse número subiu para 83. Os registros incluem diferentes tipos de crimes, como racismo por homofobia, lesão corporal e homicídio doloso, evidenciando a persistência da violência contra essa população.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, em 2023, que atos de homofobia e transfobia podem configurar crime de injúria racial. O crime de racismo por homofobia acontece quando uma pessoa LGBTQIAPNb+ é discriminada de forma coletiva e generalizada. Isso significa que a ofensa não é apenas contra um indivíduo específico, mas contra toda a comunidade, negando direitos ou colocando essa população em posição de inferioridade Assim, o STF equiparou ofensas contra pessoas LGBTQIAPNb+ a crime de injúria racial, penalizando quem ofende a dignidade de outra pessoa, utilizando elementos referentes à raça, cor, etnia ou procedência nacional. Assistência jurídica

A Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB) atua oferecendo assistência jurídica gratuita para pessoas em situação de vulnerabilidade, garantindo o acesso à justiça para aqueles que não podem arcar com os custos de um advogado particular. No contexto específico do atendimento às vítimas de crimes de homofobia e transfobia, seu papel envolve várias etapas e parcerias para assegurar a proteção dos direitos dessa população.

É por meio do núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos, da Diversidade Sexual e do Combate à Homofobia, dirigido por Remédio Mendes, que os direitos dessa comunidade são garantidos. A defensora explica que quando uma pessoa busca a DPE-PB, ela recebe informações sobre os procedimentos legais adequados ao seu caso. Se for um crime de ação penal (como agressões físicas ou homicídios motivados por homofobia), a orientação é registrar um boletim de ocorrência na Delegacia de Crimes Homofóbicos.

Nos casos de indenização por danos morais, Remédio ressalta que a Defensoria protocola a ação, que é encaminhada para uma vara judicial. O processo é conduzido pelo defensor público titular da vara, responsável por acompanhar o caso até sua conclusão. “Apesar de não poder intervir diretamente no processo após essa fase, a Defensoria continua acompanhando e fornecendo subsídios ao defensor responsável”, frisa Remédio Mendes.

 

Texto de Anderson Lima para o Jornal A União

Foto: Alexander Grey/Pexels

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