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Angélica Lúcio aborda desafios do jornalismo contemporâneo

Jornalistas são ferramentas de carne e osso no mundo das tecnologias

Angélica Lúcio

Angélica Lúcio

Colunista do Jornal A União

Artigo transcrito do Jornal A União

Em 1439, o alemão Johannes Gutenberg inventou a imprensa – feito considerado até hoje como o mais importante da Idade Moderna. Desde então, 584 anos se passaram, e a indústria do jornalismo se tornou poderosa, respeitável e rentável. Hoje, porém, bem menos do que os empresários do setor gostariam. Acuada pelas transformações tecnológicas, a indústria da comunicação precisa se reinventar, mas ainda não sabe bem como fazer isso.

São tempos difíceis, especialmente para os jornalistas que trabalham em veículos de comunicação. Boa parte desse desconforto está relacionada à crise do modelo de negócios do jornalismo, o qual se mostra incapaz de atender ao anseio de lucros por parte dos grupos de mídia, bem como ao que exige a audiência, que agora não se resigna mais a ficar de braços cruzados, esperando que os jornalistas digam que tipo de notícia deve ser consumida.

No embate da indústria de mídia por maior rentabilidade, jornalistas são números, mas também ferramentas de carne e osso na produção de notícias. E quão melhor funcionarem adaptados às novas tecnologias, quão mais competências acumularem nos processos de convergência, mais estarão afeitos à filosofia do mercado… O tempo dirá se isso é ou bom ou ruim.

Antes da informatização, da internet, do processo de digitalização e convergência de mídias, jornalistas viviam um contexto diferente em sua prática de trabalho diária. Repórteres ainda mantinham o hábito de sair às ruas à cata de notícias, chegavam correndo às redações para datilografar a matéria, com o peso do deadline sobre os ombros.

Muitas vezes, precisavam enviar a informação por telefone ou telex e, ainda, esperar o resultado da foto, enquanto o filme era revelado no laboratório. Tudo isso de olho no tempo! O culto da velocidade sempre esteve presente nas redações, mas ganhou novos contornos com as inovações tecnológicas. Rotinas produtivas são alteradas, e os jornalistas precisam se adaptar a esse novo mundo.

A realidade encontrada atualmente nas redações é bem distinta do cenário com que me deparei, em 1993, na graduação de Comunicação Social – habilitação Jornalismo. Naquela época, a configuração tecnológica apresentada aos futuros jornalistas era simples e se resumia ao contato com antigas máquinas de datilografia Olivetti ou Remington, máquinas fotográficas analógicas, gravadores de áudio com fitas cassete.

Somente no último ano do curso, em 1996, fui apresentada à internet, ainda assim na modalidade “discada” e inacessível para a maioria das pessoas. No mercado de trabalho, quem estava na redação começava a lidar com a chegada dos primeiros computadores. Algo novo e que demandou novas habilidades da categoria, mesmo assim, numa escala bem inferior às exigências da contemporaneidade, em que impera a demanda dos grupos de mídia pela convergência jornalística.

Para Ciro Marcondes Filho, a “história do jornalismo reflete de forma bastante próxima a aventura da modernidade”. Conforme o pesquisador, no livro “Ser Jornalista: o desafio das tecnologias e o fim das ilusões”, o jornalismo é a melhor síntese do espírito moderno:

“Por esse mesmo motivo, o processo de desintegração da atividade, seu enfraquecimento, sua substituição por processos menos engajados (que já não buscam a ‘verdade’, que já não questionam a política ou os políticos, que já não apostam numa evolução para uma ‘sociedade mais humana’) é um sintoma de mudança do tempo e dos espíritos”.

As discussões sobre tecnologia e jornalismo não são recentes. Há muito para se falar, muito a se estudar e analisar, muito por vir. Com um pouco mais de um quarto de século nessa seara profissional, também dou minha contribuição. Registro meus relatos e faço as vezes do velho timbira, no poema I – Juca Pirama, de Gonçalves Dias: “Meninos, eu vi”.

(Artigo publicado originalmente no jornal A União, edição de 13 de agosto de 2023)

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