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A maior final das Copas

Excelente o artigo de Marcelo Damato no site da Folha de S. Paulo. Veja a seguir:

 

O jogo parecia decidido, e eu tinha acabado de postar no Twitter uma brincadeira de tom conspiracionista, comparando as finais de 1998 e 2022.

Naquela decisão de lembranças dolorosas, o Brasil vestia Nike, e a França, Adidas. A França virou o primeiro tempo com 2 a 0 e depois fez o terceiro no fim. E por anos houve no Brasil rumores aloprados de que a seleção brasileira havia se vendido, numa suposta trama que envolvia as duas fabricantes.

Nesta final, a França vestiu Nike, e a Argentina, Adidas. E, de novo, o primeiro tempo terminou 2 a 0 para os listrados. O segundo passava por uma fase meio arrastada, com a Argentina em nítida superioridade psicológica e tática sobre os franceses, e fui buscando um jeito para fazer a brincadeira caber em 280 toques.

Mal tinha postado, as placas tectônicas do futebol mudaram. Di María saiu para dar lugar a Acuña, um lateral voluntarioso como um touro, mas que não estava no nível do melhor jogador da partida até aquele momento.

Os franceses tinham quatro atacantes em campo, e era tanta gente que parecia não sobrar espaço para Mbappé.

Até que do outro lado do campo, onde a Argentina havia sido 100% dominante, o tempo começa a mudar.

Um erro de cobertura, um pênalti, e a França recupera sua confiança, sua energia, e volta para o jogo. Com o empate em seguida, o jogo vira. Passa do lado esquerdo para o lado direito do cérebro. Da razão para a emoção, da lógica para o instinto.

Ali começou a ficar claro que seria a maior final de Copa que já vi.

A energia que os franceses ganham parece ser às custas dos argentinos. Os hermanos parecem exaustos fisicamente, mas são as emoções que os bloqueiam, o medo de deixar escapar uma Copa que parecia nas mãos.

Na prorrogação, os técnicos orientam, os jogadores se hidratam, os corações se acalmam, e o jogo se equilibra. Os argentinos reencontram as forças e recuperaram o futebol, mas, quando a França contra-ataca, sua defesa se desmancha como lámen cozido.

No segundo tempo da prorrogação, Messi faz mais um e parece que assegurou o título e artilharia da Copa. Dois enganos. Mbappé empata de novo, e o desempate não sai por causa de uma defesa de Martínez que será lamentada na França por muitos anos.

Os pênaltis também são especiais, vão além do próprio jogo. Debaixo do gol confrontam-se, Lloris, o filho de um banqueiro e uma advogada bem-sucedida, e Martínez, filho de um vendedor de peixe e uma empregada doméstica.

Aquele que é titular há apenas um ano e meio supera o goleiro de maior história na Copa do Mundo e também recordista pela seleção francesa.

Foi uma final de várias surrealidades, com seis gols, incluindo três pênaltis reais, mas duvidosos, marcados sem grande contestação. Foi um jogo que não apenas parecia que nunca terminaria como certamente levou os torcedores a torcer contra o relógio.

A Argentina ganhou. Poderia ter sido a França. Qualquer que tivesse sido o resultado, teria deixado uma imensa sensação de mérito de um lado e um amargo sabor de injustiça do outro.

A Copa mais mal parida da história acabou sendo uma das mais emocionantes de todos os tempos.

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelo-damato/2022/12/a-maior-final-das-copas.shtml

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