STF torna Bolsonaro réu por tentativa de golpe e abre caminho para julgar ex-presidente até o fim do ano
A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta-feira (26), por unanimidade, receber a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) e tornar réus Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados de integrarem o núcleo central da trama golpista de 2022.
A decisão do Supremo abre caminho para julgar o mérito da denúncia contra o ex-presidente até o fim do ano, em esforço para agilizar o julgamento e evitar que o caso seja contaminado pelas eleições presidenciais de 2026.
O recebimento da denúncia também impacta a situação política de Bolsonaro. Com o avanço do processo que pode levá-lo à prisão, aliados do ex-presidente se dividem sobre a antecipação da escolha de um candidato para a corrida eleitoral do próximo ano.
A decisão na Primeira Turma do STF foi unânime. O ministro Alexandre de Moraes apresentou o voto favorável ao recebimento da denúncia e foi seguido pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Ao longo do julgamento, porém, houve divergências manifestadas por Fux.
Ele escreveu no X (ex-Twitter) que a Justiça quer tirá-lo da disputa eleitoral em 2026 e que há um “teatro processual”.
“A julgar pelo que lemos na imprensa, estamos diante de um julgamento com data, alvo e resultado definidos de antemão. Algo que seria um teatro processual disfarçado de Justiça —não um processo penal, mas um projeto de poder que tem por objetivo interferir na dinâmica política e eleitoral do país.”
Com a decisão desta quarta, haverá no STF a abertura de uma ação penal contra Bolsonaro e seus aliados por cinco crimes ligados à tentativa de golpe de Estado.
Nessa nova fase do processo, os réus deverão coletar provas, pedir perícias e selecionar testemunhas para defender suas inocências. A PGR, do lado da acusação, terá o papel de comprovar a participação dos oito suspeitos na articulação golpista.
Com a decisão do Supremo, além de Bolsonaro, serão tornados réus Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-chefe da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).
Eles são acusados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado. Somadas, as penas máximas podem passar de 40 anos de prisão.
Ao votar, Moraes disse que vê materialidade e “indícios razoáveis” na acusação da PGR de que Bolsonaro liderou uma trama golpista após sua derrota para Lula (PT) em 2022.
O ministro citou a reunião com embaixadores em 2022, na qual Bolsonaro fez acusações sem prova contra as urnas eletrônicas e que o tornaram inelegível em julgamento peo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e a reunião com ministros no mesmo ano em que são discutidos cenários golpistas.
“A denúncia ressalta ainda que Jair Messias Bolsonaro tinha pleno conhecimento das ações da organização criminosa e destaca que, mesmo após a derrota, determinou que as Forças Armadas divulgassem nota para a manutenção das pessoas à frente dos quartéis.”
No voto, ele também fez descrição das provas de que Bolsonaro tinha conhecimento da chamada “minuta do golpe”. “Se ele analisou e não quis [dar o golpe], se analisou e quis, isso será no juízo de culpabilidade. Mas não há dúvida que ele tinha conhecimento da minuta do golpe. Chama-se como quiser: decretação de estado de sítio ou de defesa, cuja intervenção seria somente no TSE.”
O ministro afirmou que, apesar de a defesa de Bolsonaro apontar que não há indícios de que houve intenção de prática de crimes pelo ex-presidente, “os autos mostram o contrário”.
Moraes frisou que as próprias defesas dos acusados, em sua maioria, reconheceram a gravidade dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, mesmo que neguem a autoria de eventuais crimes que tenham ocorrido à época.
Segundo ele, “não houve um domingo no parque, não foi um passeio no parque”. “Pessoas de boa-fé acabam sendo enganadas pelas pessoas de má-fé que, com pessoas com más intenções e milícias digitais, acabam dizendo que eram velhinhas com a Bíblia na mão, com batom e foram lá só passar um batonzinho na estátua”, afirmou.
O ministro Luiz Fux expressou divergência com Moraes. Mesmo votando pelo recebimento da denúncia, ele disse que vai propor uma revisão da dosimetria de penas de condenados pelo 8 de janeiro.
“O legislador por vezes exacerba na previsão da dosimetria da pena. Mas justiça não é algo que se aprende, é algo que se sente. Os antigos já diziam que justiça é aquele sentimento do juiz”, disse. Para Fux, é preciso praticar o “exercício de humildade judicial”.
“Moraes citou um caso que eu pedi vista recentemente, do caso do batom, eu vou fazer uma revisão dessa dosimetria. Se a dosimetria é inaugurada pelo legislador, a fixação da pena é do magistrado. E ele o faz à luz da sua sensibilidade, do seu sentimento, em relação a cada caso concreto”, completou.
“Nós julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de janeiro. Eu fui ao meu ex-gabinete e vi mesa queimada, papéis queimados. Mas eu acho que os juízes, na sua vida, tem sempre que refletir dos erros e dos acertos. Os erros autenticam a nossa humanidade, debaixo da toga bate o coração de um homem. Então é preciso que nós tenhamos a capacidade de refletir”, disse Fux.
Delação de Cid e plenário do STF
O julgamento da trama golpista durou dois dias e centralizou as atenções na Primeira Turma do STF —colegiado que fica em segundo plano no Supremo, com destaque ao plenário do tribunal.
O primeiro dia de julgamento foi dedicado às sustentações orais das partes —30 minutos para a PGR e duas horas para as defesas— e à discussão das preliminares levantadas pelos advogados.
Os ministros da Primeira Turma negaram os cinco tópicos apresentados pelas defesas. O principal deles era a anulação do acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid —o fio condutor da denúncia da PGR.
A tese foi levantada por Fux. Ele destacou o vaivém de Cid nos depoimentos e disse que tem suas dúvidas sobre a validade do acordo. “Este não é o momento próprio, mas vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora apresentando uma novidade”, afirmou.
Os ministros da Primeira Turma também negaram o pedido das defesas para declarar o colegiado incompetente para julgar a trama golpista. A decisão se deu por maioria: 4 a 1.
Fux foi o único a discordar da decisão. Quando o Supremo decidiu, em 2023, deixar as ações penais com as turmas, ele já tinha apresentado relutância com essa proposta.
Nesta quarta, segundo dia de julgamento, a sessão ficou restrita à análise do mérito das acusações. Os ministros avaliam se a denúncia tinha indícios de autoria e materialidade —ou seja, se há uma mínima evidência de participação dos denunciados que seja suficiente para a abertura de um processo.
Fonte: Folha/UOL
Foto: Antônio Augusto/Divulgação/STF