Política

Número de candidatos negros na PB bate recorde

Em 2024, o percentual de candidatos negros registrados nas eleições para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores na Paraíba é o maior das últimas três campanhas. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), neste ano, 63,69% das candidaturas registradas no estado são de pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas. Nas últimas eleições municipais, em 2020, o percentual foi de 61,51%, enquanto em 2016 foi de 56,41%.

Em números absolutos, dos 10.105 pedidos de registro de candidatura computados neste ano pela Justiça Eleitoral na Paraíba, 5.516 são de candidatos autodeclarados pardos (54,65%), 912 pretos (9,04%), 3.497 brancos (34,65%), 82 indígenas (0,81%) e 36 amarelos (0,36%). Os dados apontam também 50 candidaturas (0,5%) de pessoas que não informaram a raça ou etnia com a qual se reconhecem. Na análise por cargos, os negros são maioria no estado entre vice-prefeitos (53,99%) e vereadores (65,22%). Na disputa para prefeito, os brancos ainda seguem como maioria, com 273 (52,40%) das 521 candidaturas registradas no estado.

Os indígenas tiveram duas candidaturas registradas para o cargo de prefeito (ambas no município de Marcação), três para vice e 77 para vereador. Das 82 candidaturas indígenas, 75 correspondem a representantes do povo Potiguara, uma dos Kariri e seis não informaram etnia. Os candidatos e candidatas autodeclarados amarelos aparecem apenas na disputa para vereador, com 36 registros. Dois candidatos a prefeito, quatro a vice e 44 a vereador não informaram dados de raça e etnia.

Tendência

De acordo com o cientista político e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), José Henrique Artigas, o aumento do número de candidaturas negras na Paraíba reflete, de certa forma, uma tendência observada na política nacional e entre a própria população. No Brasil, por exemplo, o percentual de candidaturas negras saiu de 47,75% em 2016, para 52,73% neste ano. Já as candidaturas de pessoas autodeclaradas brancas reduziram de 51,45% para 45,65% no mesmo período.

“Isso tem a ver com o avanço do movimento negro e da representatividade dos pretos, especialmente, no que tange ao conjunto da sociedade. Se, no passado, era algo negativo em alguns aspectos pela associação a estigmas e preconceitos de discriminção, isso vem diminuindo e se reflete, então, nessa mudança. É um elemento exógeno à política partidária que tem que ser levado em consideração. Se o povo brasileiro se considera mais preto e pardo, de alguma maneira, isso vai se refletir também no conjunto das candidaturas”, observou. Na Paraíba, dados do Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, apontam que, nos últimos anos, a maioria (63,5%) dos 3.974.687 habitantes da Paraíba se identificam como pretos ou pardos, somando um total de 2.524.452 pessoas.

Na comparação com o Censo 2010, os dados apontam um crescimento de 58,6% da população autodeclarada preta no estado e de 11,1% dos pardos, ao mesmo tempo em que um há decréscimo de 5,3% da população que se identifica como branca. Além disso, em 2022, dos 223 municípios da Paraíba, 217 registraram a maioria da população autodeclarada parda. Contudo, para além de uma maior autoidentificação da população brasileira e paraibana como negra, Artigas também repara em outros dois fatores, mais ligados ao âmbito político propriamente, que tem contribuído para o crescimento de candidaturas negras: as mudanças na legislação eleitoral garantiram cotas proporcionais de participação no fundo eleitoral e no tempo de rádio e televisão; e o próprio aumento do número de políticos pardos e pretos eleitos em todo o país.

“Isso já vem acontecendo há pelo menos cinco eleições sucessivas. Embora o crescimento seja muito pequeno proporcionalmente, ele tem se dado de modo contínuo. Então é de se esperar que nós tenhamos também candidaturas em maior grau de pretos e pardos, o que provavelmente vai acabar derivando em um crescimento que, ainda que não expressivo, mantém essa continuidade de aumento dos eleitos pretos e pardos”, ponderou Artigas. Representatividade O cientista político, contudo, ressalta que o maior número de candidaturas negras não implica necessariamente uma mudança representativa na composição dos Executivos municipais e das Câmaras de Vereadores. Ao contrário, ele repara que, apesar do crescimento do percentual de candidatos negros nos últimos pleitos, as Prefeituras e os Legislativos municipais seguem “absolutamente brancos”.

“A gente vê que o crescimento de candidaturas negras não é acompanhado, nem de longe, na mesma proporção dos eleitos pretos e pardos. Na Câmara de João Pessoa, por exemplo, de 27 vereadores, hoje, nós só temos uma pessoa dentro desse critério — um número absolutamente desproporcional em relação ao crescimento do conjunto das candidaturas pretas e pardas na última eleição municipal”, pontuou.

Artigas ainda aprofunda a análise ao sublinhar o fato de que, apesar do aumento geral, o número de candidaturas de pretos e pardos não tem crescido na mesma proporção. O que, segundo ele, sugere a persistência do preconceito e discriminação “ancorados no fenótipo e na autodeclaração”. “Nós tivemos, por exemplo, o caso na Bahia, do ACM [Antônio Carlos Magalhães] Neto, que passou a ser pardo. Ele continuou a receber votos não por ter se autodeclarado pardo, mas por ser reconhecido pela sociedade como branco. O fator da autoatribuição não é um fator condicionante da escolha do voto do eleitor. A questão racial ainda está longe de ser um critério seletivo importante para a escolha de candidatos por parte do eleitorado. Apesar desses indicadores [de crescimento das candidaturas negras] serem positivos, eles obscurecem também a persistência do estigma e do preconceito. Então, a gente tem, às vezes, uma falsa ideia de que a desigualdade racial está diminuindo na política brasileira, o que não é exatamente verdadeiro. Está diminuindo, mas a um ritmo realmente muito desproporcional ao crescimento que nós tivemos na última década, mesmo das candidaturas pretas e pardas”, alertou.

Anistia

Na última quinta-feira (22), o Congresso Federal promulgou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2021, que ficou conhecida como a “PEC da Anistia” por, dentre outras medidas, livrar os partidos de multas por descumprimento de repasses mínimos para candidaturas negras. Até as últimas eleições, os partidos eram obrigados a repassar recursos a negros e pardos de forma proporcional — isto é, de acordo com o número de candidatos com esse perfil. A PEC, entretanto, propõe inserir na Constituição a obrigatoriedade de os partidos repassarem 30% dos recursos para financiar campanhas de negros e pardos independentemente da proporção de candidaturas. De acordo com o texto aprovado pelo Congresso, a regra passa a valer já na eleição de 2024. Para Artigas, a norma representa uma “vergonha nacional”, pois reforça, perante a sociedade, a ideia de impunidade.

Segundo ele, “é impressionante que os próprios partidos estimulem o não cumprimento das regras que eles mesmos estabeleceram”. “Isso é uma vergonha nacional, é o oposto do republicanismo, da transparência, da normatividade jurídica, da segurança jurídica. Veja: as leis são aprovadas, o Judiciário estabelece os critérios [de aplicação], os partidos deliberadamente não cumprem esses critérios e depois se autoanistiam. Para que serve a lei então?”, questionou.

 

Texto de Filipe Cabral para o Jornal A União, edição de domingo, 25/8
Foto: Reprodução/site do TSE

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