Nos supermercados: produtos similares podem enganar consumidores; conheça as diferenças
Quando perguntada sobre a presença de novos produtos similares no supermercado, Scheilla Costa não soube bem do que se tratava. Disse que havia percebido mudanças, mas não havia levado em conta. “Porque acho que é a mesma coisa. É erro meu não reparar e não ler tudo direitinho, mas eu nunca pensei nisso, na verdade. Eu fiz cirurgia bariátrica e olho mais a tabela nutricional, principalmente. Mas, nesse sentido aí que você tá falando, eu nunca percebi, não”, coloca Costa.
Por sua vez, Louise Campos, outra consumidora, não apenas percebeu, mas mantém atenção sobre esses produtos, não apenas com família, mas com amigas que trocam informações nutricionais por conta de filhos e filhas. “Percebi e sempre estou verificando as embalagens para não levar um produto que não seja 100% leite, para não levar o composto. Quando tem muita massa, muito aditivo, faz muito mal, é muito prejudicial à saúde da família. Levei uma vez por curiosidade, mas o sabor é totalmente diferente. Você sente os sais, os aditivos que colocam, e não têm a mesma dispersão. Não têm qualidade”, opina Louise.
Os produtos similares, de “segunda mão” ou “fakes” passaram a ocupar recentemente as prateleiras dos supermercados. Criados com semelhança visual e sabor de produtos originais, são uma saída da indústria alimentícia, e entre consumidores, para compensar a alta dos preços de produtos alimentícios. Contudo, componentes são trocados por outros de menor qualidade, com (mais) açúcares, corantes, aromatizantes, sais e emulsificantes, resultando em menor capacidade nutricional. São os casos da “mistura láctea”, que simula leite condensado; “bebida láctea”, usada no lugar de iogurte; “composto lácteo” no lugar de leite em pó; “creme culinário”, exposto como creme de leite; azeite, vendido com óleos vegetais como “óleo composto”; e ainda “pó para preparo sabor café” no lugar do cafezinho — recentemente apelidado de “cafake”.
Preços mais baixos
A reformulação de produtos antigos e a criação de produtos novos, no caso dos produtos similares, de segunda mão ou “fakes”, seguem de perto a inflação que vem atingindo boa parte dos suprimentos e carregado ainda mais o bolso de quem compra. Em fevereiro deste ano, o Brasil apresentou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado nos últimos 12 meses de cerca de 5%. Entre os produtos que mais puxaram esse valor para cima, estão chocolate em barra e bombom (16,56%), chocolate e achocolatado em pó (12,49%), leite e derivados (8,29%), leite condensado (8,98%), leite em pó (11,17%), iogurte e bebidas lácteas (6,21%), azeite (14,16%), óleos e gorduras (14,68%) e café moído (66,18%). Justamente, alguns dos produtos que mais têm apresentado novas “versões”.
No entanto, para os consumidores, mesmo os valores em conta desses suprimentos não compensam por conta da baixa qualidade dos novos produtos. Para Louise, a quantidade de aditivos, como açúcares, corantes e emulsificantes, alteram o sabor e a textura das receitas, e influenciam a alimentação em casa. “Não vale a pena, porque você acaba gastando, o pessoal da família sente o sabor dos alimentos que não é um sabor legal, você acaba desperdiçando um produto”, opina.
Princípio da informação
A nutricionista do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Mariana Ribeiro, ressalta que, sem analisar individualmente, não há como dizer se os produtos realmente sejam falsos, adulterados ou irregulares — inclusive porque, para estarem disponíveis nos mercados, passam por uma série de regulações e autorizações, como a vigilância sanitária. Por outro lado, a utilização de elementos específicos (frases, palavras, cores, imagens, desenhos etc.) podem induzir o consumidor ao engano com relação às características dos produtos que a embalagem abriga. “O que a gente vê? As informações publicitárias estão em destaque, chamam mais atenção, estão junto com as imagens, cores chamativas. Mas, e a denominação de venda? O nome específico da categoria do produto? Por meio dela que a gente consegue diferenciar o que é um café e o que é um pó para preparar sabor café. A venda desses produtos pode induzir ao erro. O consumidor pode acabar comprando um produto esperando outro”, explica Ribeiro.
Por sua vez, o secretário executivo da Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor de João Pessoa (Procon-JP), Marcos Souto Maior, avalia que a lei do consumidor é clara. “A legislação apenas tem uma única observação, sempre respeitar o dever de informação ao consumidor. Ele [o comerciante] pode vender qualquer coisa, desde que não seja nociva à vida e que tenha a licença para ser vendida, pelos órgãos de controle, vigilância sanitária etc.”, esclarece.
“Agora, se, o produto, ele [o comerciante] quer vender uma coisa quando é outra, isso está maculando o princípio da informação e também vinculando uma propaganda enganosa, prática também vedada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Você pode vender um achocolatado como bebida láctea, porque ele tem gosto de chocolate, mas tem que dizer no rótulo”, explica Maior. “É importante frisar que produtos similares não são, necessariamente, irregulares”, explica o deputado estadual Jutay Gomes, que tem tratado do tema do Direito do Consumidor na Assembleia Legislativa.
Para ele, é preciso também fazer o debate nutricional desses alimentos. “Ocorre que por serem, muitas vezes, ultraprocessados, o consumo desses produtos extrapola a ótica do Direito do Consumidor, entrando na seara da Saúde. Para se obter sabor e textura próximas aos produtos referência, há adição de químicos e outros produtos que os originais não contêm. Sem falar na qualidade e no resultado final de receitas, por exemplo”, defende Gomes.
Leitura dos rótulos
Mariana Ribeiro indica que é preciso começar o hábito de verificar as informações mais importantes nos rótulos. Uma delas é a denominação de venda, que indica o que vem de fato no conteúdo do produto.
“A denominação de venda vai estar no painel principal, mas não tem posição padronizada. Pode estar na lateral, na parte inferior, onde geralmente se encontra, mas não tem um padrão”, coloca Ribeiro. A nutricionista cita o segundo elemento: “A outra [informação] é a lista de ingredientes. Por meio dela, a gente consegue entender o que compõe o produto e identificar se é ultraprocessado ou não. Se for ultraprocessado, entra na categoria de produtos não recomendados ao público infantil e que devem ser evitados pelo público adulto”.
Texto de Emerson da Cunha para o Jornal A União
Foto: Carlos Rodrigo/A União