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Lava Jato: 5 anos depois, empresas pagam e empresários ficam livres

O histórico da prisão, há três anos, do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro até sua libertação na terça-feira 17 diz muito sobre duas das características mais nefastas da Lava Jato, pressionar investigados presos até os respectivos depoimentos se encaixarem nas suas teses e aniquilar empresas importantes para o País como se pessoas jurídicas fossem a fonte do mal. Pinheiro só foi solto após sua delação atender às exigências dos procuradores para incriminar Lula. As alterações foram fundamentais ao processo que condenou o ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro no famoso caso do triplex do Guarujá, em São Paulo.

Em baixa, a operação deve explicações sobre o legado de devastações do ordenamento jurídico e da economia

A empresa de Pinheiro figurava entre as cinco maiores construtoras do País até a intensificação da operação em 2014 e hoje representa “pouco mais de um décimo do que foi em seu auge e está ainda seriamente ameaçada de extinção”, frisa o economista e analista financeiro André Luiz Passos Santos em estudo econômico-financeiro das cinco maiores empreiteiras feito a pedido de CartaCapital. Com números atualizados pelo IGP-DI da FGV até setembro deste ano, o levantamento cobre o período de 2013 a 2017, inclui Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Odebrecht e expõe um cenário de devastação.Segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Construção Pesada e Infraestrutura, o setor perdeu 1 milhão de empregos entre 2014 e 2019, o equivalente a 40% dos 2,6 milhões de postos de trabalho fechados no período. Cálculos dos efeitos negativos da Lava Jato no conjunto da economia apontam para uma redução entre 2% e 5% do PIB. Um indicador do encolhimento é a redução do número de sondas de perfuração utilizadas pela Petrobras, de 73 unidades entre arrendadas e próprias em 2015 para 22 em 2018, registra o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra.

Outro indicador é o número de trabalhadores empregados na indústria naval, que fornece 80% dos navios e plataformas de exploração usados pela Petrobras. Os empregos nos estaleiros caíram de 71,6 mil em 2014 para 33,1 mil em 2017, computou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.De acordo com o estudo das cinco maiores empreiteiras, a OAS teve, em 2013, um faturamento bruto de quase 7 bilhões de reais e apresentava patrimônio líquido de quase 3,3 bilhões em 2013.

No início de 2015, a empresa declarou-se em recuperação judicial e nunca mais apareceu na relação das 50 maiores do País. Seu faturamento previsto para 2019 está na casa de 1 bilhão de reais. O endividamento, que chegou a 9,5 bilhões, foi reduzido a cerca de 2,8 bilhões. Para diminuir a dívida, a empresa se desfez de ativos rentáveis, como as concessões da Linha Amarela e da Rodovia Rio-Teresópolis, de trechos da construção do metrô, todos no Rio de Janeiro, e da concessão do maior e mais lucrativo aeroporto nacional, o de Cumbica, em São Paulo.

Lava-Jato quebrou os estaleiros do país

A empresa abandonou sua atuação em nove países e concentrou-se na sua sobrevivência no Brasil, aceitando obras menores. O endividamento da empreiteira, de 1,36 vezes o faturamento bruto em 2013, subiu para 2,8 vezes.Dizimar empresas não se justifica, mostra o exemplo dos EUA e da Europa, que impõem duras penas aos administradores responsáveis pelos ilícitos, mas punem as empresas infratoras com multas e pouco tempo de suspensão de contratos com os governos, sua principal fonte de receitas, liberando-as mediante compromisso com severos programas de autocorreção, chamados de compliance nos Estados Unidos e de self-cleaning na Europa.

A empresa dinamarquesa Atea, líder do mercado de infraestrutura de tecnologia da informação nos países nórdicos e na região do Báltico, foi autorizada em setembro a retomar os contratos com o setor público após dois meses de suspensão por prática de corrupção e depois de aceitar um programa de self-cleaning imposto pelas autoridades. A Alemanha apurou fraudes e puniu executivos de empresas como Volkswagen, Siemens e Messerschmitt, que continuam a produzir e a gerar empregos, e o mesmo aconteceu com a Samsung, na Coreia, e a Airbus, na França.

Essa dupla devastou o patrimônio industrial do país

Nos EUA, a WorldCom, segunda maior operadora de telefonia de longa distância no país, a Boeing e a IBM, afastadas das contratações públicas por inidoneidade, voltaram a fornecer ao governo em curto prazo depois de atenderem às exigências da lei. A IBM, por exemplo, retomou os contratos um mês depois do banimento.Longe do trato jurídico civilizado, as maiores construtoras brasileiras definham, mostra o estudo citado. A Queiroz Galvão, quinta empresa do ranking em 2014, atingiu em 2018 a segunda posição, mas a ascensão não resultou de crescimento.

Ao contrário, seu faturamento bruto caiu de pouco menos de 6,4 bilhões no balanço de 2013 para pouco menos de 2,7 bilhões em 2017, uma queda de cerca de 58%. O patrimônio líquido foi reduzido de 2,4 bilhões em 2013 para menos de 1,4 bilhão em 2017, ou cerca de 42% a menos. Subiu no ranking porque suas concorrentes próximas encolheram ainda mais, ou se ausentaram do ranqueamento.

Está em recuperação judicial e no cadastro de empresas inidôneas do Tribunal de Contas da União, o que a impede de celebrar contratos com entes públicos. Neste ano, a Queiroz Galvão foi desclassificada da licitação da construção de um trecho de 5 quilômetros e duas estações do metrô de Salvador, obra de 425 milhões de reais. Recorreu, mas tem poucas chances de reverter a decisão. As empresas do grupo (QG óleo e gás e QG Energia) também entraram em recuperação judicial em 2018. O Grupo Queiroz Galvão teve sua dívida estimada em 10 bilhões de reais no ano passado.A Camargo Corrêa, quarta no ranking de 2014, chegou a 2018 em terceiro lugar, mas, como no caso da Queiroz Galvão, também foi seriamente afetada. Seu faturamento bruto em 2013, de pouco mais de 6,5 bilhões, recuou para menos de 1,3 bilhão em 2017, tombo de 80%.

O resultado prático do que foi a Lava-Jato para a economia do Brasil

O patrimônio líquido despencou de quase 3,8 bilhões para perto de 2 bilhões, em uma redução de pouco mais de 47%. Ainda assim sua situação é considerada a menos dramática entre as grandes empreiteiras, graças aos cerca de 7 bilhões de reais apurados com as vendas da CPFL Energia e da Alpargatas. A companhia desfez-se ainda do controle da Santista e de negócios de cimento em Portugal e Cabo Verde. Ao todo, apurou pouco menos de 15 bilhões de reais com vendas de ativos em quatro anos, dispensou mais de 8 mil empregados e encolheu drasticamente suas carteiras de clientes. O endividamento caiu de 24 bilhões para cerca de 10 bilhões, ou 7,7 vezes seu faturamento bruto.

A Andrade Gutierrez tinha faturamento bruto de pouco menos de 7,3 bilhões em 2013 (era a segunda do ranking em 2014), caindo para pouco mais de 2,4 bilhões em 2016, último ano disponível, pois a empresa está ausente da lista das 50 maiores de 2018. Seu patrimônio líquido recuou de 3,8 bilhões em 2013 para pouco menos de 2,6 bilhões em 2016, redução de cerca de 32%. O principal ativo da empresa, a concessionária CCR, que detém lucrativas concessões de rodovias e outros equipamentos em todo o País, tem sido usada como garantidora da renegociação dasdívidas do grupo, especialmente no exterior. Há um ano, a empreiteira renegociou dívida de 345 milhões de dólares com investidores estrangeiros.Pagou cerca de 19% da dívida e adiou o vencimento dos 81% restantes para 2021, mas precisou aceitar a elevação dos juros de 4% para 11% ao ano. É talvez a grande construtora que apresenta o maior grau de dificuldade para sair da situação de endividamento. Antes da Lava Jato, tinha cerca de 30 bilhões em sua carteira de obras, e fechou 2018 com menos de 11 bilhões, diagnostica o estudo.

Dono da ODEBRECHT sabe que se sua empresa quebrar leva os bancos com ela

A Odebrecht, primeira do ranking em 2014 e em 2018, viu seu faturamento bruto diminuir de 13,8 bilhões em 2013 para 12,3 bilhões em 2017. Em agosto, apresentou pedido de recuperação judicial de 51 bilhões de dívidas sem garantias fiduciárias. Outros 13 bilhões em compromissos garantidos por ações da Braskem, de 3,6 bilhões com a União devidos a acordos de leniência e perto de 1 bilhão de reais com o governo do Peru, não estão incluídos no pedido. Seu patrimônio líquido despencou de 9,1 bilhões de reais em 2013 para menos de 5,4 bilhões em 2017.“A empresa, que chegou a apresentar uma geração de caixa pelo padrão Ebitda (sigla em inglês para lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da ordem de 18,7 bilhões em 2014 e de 24,6 bilhões em 2015, encolhe desde então, mas seu grande poder financeiro, sua carteira de obras espalhada em todo o mundo e – curiosamente – o alto valor de suas dívidas lhe dão considerável proteção: a Odebrecht é daquelas empresas consideradas ‘grandes demais para quebrar’”, sublinha o estudo. Uma eventual falência da construtora, com faturamento maior do que os de empresas colocadas do segundo ao décimo lugar do ranking das 50 maiores construtoras em 2018 somados, arrastaria todo o grupo empresarial e provocaria um dano sério, que se alastraria em cadeia pelo sistema bancário, pondo em xeque sua solidez.

Mesmo consideravelmente mais poderosa, a construtora adotou estratégia semelhante àquela das demais: reduziu sua carteira de obras no exterior. Atuava em 23 países em 2014, e chegou a 2017 com presença em 14, segundo informam os boletins da própria empresa. Pagou cerca de 22 bilhões de reais em dívidas nos últimos quatro anos, mas, calcula-se, continua a dever 65,5 bilhões.Além de sofrer perdas com a suspensão dos contratos com o poder público, as construtoras foram prejudicadas com a execração continuada por parte da mídia e a dificuldade em fazer acordos de leniência por causa dos conflitos da legislação e a disputa entre órgãos públicos pela primazia de celebrá-los. Isso tudo somado resultou na piora dos ratings dessas empresas por parte das agências de classificação de risco com encarecimento do dinheiro captado no exterior, mostra o exemplo mencionado da renegociação da dívida da Andrade Gutierrez. A inclusão dessas empreiteiras no cadastro de empresas inidôneas do TCU as impede de contratar as poucas obras públicas ainda disponíveis.

A Lava-Jato fechou quase todos os estaleiros do país

Outra causa da degradação das construtoras foi a acentuada queda dos investimentos públicos. Segundo o sindicato das empresas, 100 bilhões de reais em valores correntes foram aplicados em obras em 2014, mas apenas 53,7 bilhões tiveram a mesma destinação em 2018. As empresas estatais, com destaque para a Petrobras, investiram 160,5 bilhões em 2013, em valores da época. A crise dos preços do petróleo no mercado internacional teve papel importante na derrocada da cadeia produtiva de óleo e gás. Os preços do Brent, que chegaram a quase 120 dólares o barril, recuaram dramaticamente para pouco mais de 30 dólares.Indiferentes à preservação de empresas e empregos e à defesa da soberania nacional, o então juiz Sérgio Moro e a força-tarefa do Ministério Público Federal liberaram o acesso amplo da Justiça dos Estados Unidos a informações eventualmente estratégicas para o Brasil. Na prática, facilitaram o encaminhamento de outro projeto, de esfacelamento das cadeias produtivas mais importantes e dos setores e empresas mais competitivos em benefício de uma nova articulação produtiva comandada por monopólios estrangeiros, principalmente de origem americana.

Uma petição encaminhada por Cristiano Martins Zanin e José Roberto Batochio, advogados do ex-presidente Lula, reúne farta documentação comprobatória da tese de que o combate à corrupção no exterior é utilizado como instrumento de guerra comercial pelos EUA, país que oficializou a corrupção ao legalizar o lobby, conforme defende o também advogado Walfrido Warde no livro O Espetáculo da Corrupção.A Lava Jato, esclarecem Martins e Batochio, contou com “a ajuda fundamental dos EUA por meio de dados obtidos informalmente e que eram retribuídos com informações aqui do Brasil sobre empresas estratégicas brasileiras. Os Estados Unidos colaboravam informalmente com os procuradores, e os procuradores remetiam para o Departamento de Justiça informações sobre empresas brasileiras que poderiam ser alvo daquele país por meio da aplicação de uma lei anticorrupção estadunidense. … As multas que foram aplicadas, a colocação de monitores americanos em empresas estratégicas brasileiras, tudo isso fez parte desse cenário de uma colaboração das autoridades brasileiras com os EUA totalmente fora daquilo que seria possível e cabível na situação concreta”.

Prosseguem: “A sombria linha de atuação da cooperação jurídica internacional entre Brasil e EUA incluiu, em diversas audiências de processos conexos, o cerceamento do exercício da defesa, em contrariedade à norma legal, permitindo que testemunhas não respondessem questões relacionadas à existência de negociações ou acordos de colaboração premiada com órgãos estrangeiros, como o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América”.A conexão EUA-Brasil foi fatal para o País, indica esta análise do presidente da Federação Única dos Petroleiros, José Maria Rangel: “A Lava Jato começa no momento em que some um HD da empresa Halliburton, em 2008, com todo o mapeamento do pré-sal brasileiro e que deu certeza aos americanos de que aquilo que foi descoberto tinha as proporções anunciadas. A partir disso e de outros acontecimentos do período, como o comprometimento do então pré-candidato à Presidência José Serra com uma diretora da petroleira Chevron, de que, caso se elegesse senador mudaria o regime de partilha e restauraria o de concessão, eles começaram a pensar em como iriam desestruturar o setor de óleo e gás no Brasil e se apoderar dessa riqueza que nós descobrimos”.Rangel acrescenta: “Desde as revelações de The Intercept, vê-se que a Lava Jato constitui a maior organização criminosa do País, responsável por danos irreparáveis.

Lava-Jato encolheu as empresas brasileiras

As nossas grandes construtoras estão falidas, não houve durante todo o período de ataque à Petrobras nenhuma oportunidade de acordo de leniência com as empreiteiras e isso gerou no setor de óleo e gás a perda de cerca de 1,5 milhão de empregos. A Petrobras sai da condição de empresa avançada e de ponta no setor petrolífero para se transformar em uma companhia de segundo escalão, apesar de o País possuir uma das maiores reservas de petróleo do planeta. O Brasil perde uma grande oportunidade desde a Operação Lava Jato, operação construída a partir do discurso falso de que, por causa dos erros cometidos por alguns gestores da Petrobras, se justificava desestruturar o setor.

A grande demonstração de toda essa armação da Lava Jato é a prisão do presidente Lula, por suposta corrupção ligada à Petrobras, o que se comprova ser uma grande mentira”.A Lava Jato está em baixa. Segundo pesquisa recente da Transparência Internacional, 90% dos brasileiros acham que a corrupção no atual governo é um grande problema e que nos últimos oito meses “a estrutura anticorrupção no Brasil sofreu uma série de golpes”. A maioria dos delatores que concordaram em corroborar as teses da força-tarefa cumprem penas brandas, em geral em casa. Até mesmo o reincidente doleiro Alberto Youssef, que havia se livrado de uma punição mais dura quando Moro investigava o escândalo do Banestado, voltou a ser beneficiado. Prova de que, no caso dele, o crime compensa. As revelações do site The Intercept confirmaram o viés político-eleitoral, quando não conspiratório, da operação. Não por menos, cresce no Supremo Tribunal Federal a sensação de que a primeira instância de Curitiba atuou para engabelar as cortes superiores. Os ministros do STF parecem, no momento, dispostos a reparar os danos causados às vítimas da Inquisição curitibana.

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