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ESPECIAL – Aumenta número de paraibanos solidários que doam órgãos

O que une a educadora física Maria Luiza Pessoa e o ex-motorista Ramon Fernandes, além de morarem em João Pessoa, é o fato de estarem nas duas pontas de um mesmo sistema: a doação e o transplante de órgãos. Enquanto a profissional de saúde autorizou, junto com o pai e o irmão, a doação dos rins, do fígado e das córneas de sua mãe, falecida em 2021, Ramon foi a primeira pessoa a receber um transplante de coração na Paraíba em 2024. Com isso, ele integra ainda o grupo dos 166 pacientes transplantados no estado, entre janeiro e junho deste ano. 

De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), foram realizadas, nesse primeiro semestre, 130 cirurgias de córnea; 20, de fígado; 11, de rim e cinco, de coração. Os dados apontam para um crescimento de 35% em relação ao primeiro semestre de 2023, quando o total de transplantes realizados no estado foi de 123. A alta foi maior que a registrada nacionalmente (7,8%), referente à ampliação de 4.247 cirurgias do tipo no Brasil, entre janeiro e junho de 2023, para 4.579, no mesmo período deste ano. Na Paraíba, destacaram-se os transplantes de fígado e córnea, que registraram altas de 81,8% e 47,7%, respectivamente, se comparados aos efetuados nos seis meses iniciais do ano passado.

Uma explicação para o avanço nas cirurgias está no aumento do número de potenciais doadores e de doadores efetivos. Ainda segundo a ABTO, na Paraíba, 129 pessoas foram avaliadas como potenciais doadores de órgãos no primeiro semestre deste ano, enquanto 27 delas tornaram-se doadoras efetivas. Nos seis primeiros meses de 2023, tais categorias tiveram 117 e 17 pessoas, respectivamente.

A cardiologista Tauanny Frazão explica a diferença entre os dois grupos e como a doação dos órgãos é feita. “Potenciais doadores são pessoas que faleceram em condições que permitem a doação de órgãos; ou seja, que fecharam protocolo de morte encefálica. O próximo passo é cada equipe especializada avaliar se aquele órgão é viável – cada especialista tem seus próprios critérios –, enquanto doadores efetivos são aqueles cujos órgãos foram aceitos e, portanto, foram de fato retirados e transplantados com sucesso”, elucida a médica, que também é coordenadora do Ambulatório para Transplante Cardíaco do Hospital Metropolitano Dom José Maria Pires.

Uma característica comum aos transplantes de órgãos na Paraíba em 2024 é a morte encefálica de todos os doadores. Nesses casos, a legislação brasileira condiciona a doação à autorização da família do paciente falecido. Contudo, é comum haver negativa por parte dos parentes. “A resistência de alguns familiares pode estar ligada ao desconhecimento do processo, à desinformação sobre o conceito de morte encefálica, questões culturais e religiosas ou o impacto emocional da perda recente. Por isso, durante a entrevista familiar, profissionais capacitados utilizam várias estratégias, como o esclarecimento sobre a morte encefálica, explicações sobre o processo de doação e a empatia ao lidar com o luto da família. É comum enfatizar o aspecto de ajudar outras vidas e o legado que o falecido pode deixar”, relata Tauanny.

Para a médica, é importante tornar a doação de órgãos um assunto mais debatido na sociedade, por meio do investimento em campanhas educativas. Isso contribuiria para um maior avanço no número de transplantes. Ela também defende outros caminhos na busca por esse objetivo. “É fundamental aprimorar a capacitação de profissionais de saúde que conduzem a entrevista familiar; incentivar o debate sobre o tema nas famílias, para que o desejo de doação seja conhecido; e melhorar a infraestrutura hospitalar, para garantir que os potenciais doadores sejam adequadamente identificados e cuidados”, afirma.

Quando o doador está vivo

Outra modalidade possível de doação é a realizada por pacientes vivos. Ela foi registrada em 16 estados do país e no Distrito Federal, entre janeiro e junho deste ano. A cardiologista do Hospital Metropolitano aponta em que situações isso acontece. “Pessoas vivas podem doar órgãos como um dos rins, parte do fígado, parte do pâncreas ou medula óssea, desde que sejam compatíveis com o receptor e estejam em boas condições de saúde. Essas doações vivas ocorrem principalmente entre familiares ou em casos de doadores altruístas”, conta Tauanny.

O desejo de fazer o bem, mesmo após a morte

Em julho de 2021, a mãe de Maria Luiza Pessoa, Maria Risomar, deu entrada na Unimed de João Pessoa para a retirada de um tumor na cabeça. No entanto, a cirurgia teve uma complicação e Maria Risomar ficou internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por 15 dias depois. Após esse período, a família recebeu o diagnóstico de morte encefálica.

A educadora física rememora como ela, seu irmão, Pedro Paulo, e seu pai, Marcone, souberam da viabilidade da doação. “Quando o pessoal do Governo do Estado chamou a gente no hospital, já conseguimos imaginar do que se tratava, porque eles tinham comentado que iriam abrir um protocolo para avaliar a morte encefálica. Por isso, no dia seguinte, a equipe do transplante conversou sobre essa possibilidade e explicou que nós três precisaríamos estar em acordo. Caso um de nós não concordasse, não poderia ser realizada a doação. Mas, como para a gente já era algo muito certo, que tanto ela quanto a gente gostaria [de fazer], a gente concordou na mesma hora”, relembra.

Como Maria Luiza destaca, a família teve facilidade em aceitar a doação porque o tema já não era um tabu em casa. Além disso, depois do gesto realizado por eles, outros familiares passaram a falar sobre o assunto, demonstrando-se abertos a manifestar o desejo pela doação de órgãos após a morte. Para a educadora física, que também já se declarou doadora, a decisão tomada em julho de 2021 foi uma forma de honrar a memória de sua mãe e beneficiar mais pessoas. “Ela sempre foi uma mulher que gostava muito de ajudar e fazer o bem, da forma que ela pudesse e a quem ela pudesse. Por isso, nosso pensamento foi: se ela pode ajudar até mesmo em morte e se outras pessoas podem ter uma nova oportunidade com isso, que assim seja”, revela.

Quando a doação dá a chance de uma nova vida

Já fazia um ano e seis meses que Ramon Fernandes estava internado no Hospital Metropolitano, à espera de um coração que pudesse lhe restabelecer a vida normal. Ele até desacreditou de que isso aconteceria, quando, em março deste ano, estranhou a forma como foi abordado por uma enfermeira. “Eu já estava há tanto tempo dentro do hospital, mas essa enfermeira chegou para mim e me perguntou se eu tinha me pesado. Então, eu fiquei com um pé atrás e outro na frente, e disse para mim mesmo: ‘isso é o meu coração que está chegando’. No dia seguinte, veio uma notícia boa. Chegou uma doutora para mim e perguntou: ‘Ramon, você está preparado? Seu coração chegou e hoje vai ser o seu transplante’. Nesse momento, eu fiquei muito feliz e pensei na minha família e nos meus três filhos”, relata, sem disfarçar a emoção na voz.

Antes da internação, Ramon passou mais de quatro anos lidando com sintomas como cansaço, inchaço nas pernas e dificuldade para dormir deitado, já que a única posição em que conseguia dormir era sentado em uma cadeira. Os médicos descartaram entupimento nas veias, doença de Chagas e outros possíveis cenários, até entenderem, dois anos atrás, que o motorista teve um crescimento no coração causado por uma infecção desconhecida. Desde então, ele entrou na fila pelo transplante, que foi possível graças à doação de um paciente de Campina Grande.

Segundo Ramon, quem o acompanhou durante o período da internação foram sua mãe, Silvana, e sua avó, Luiza, as quais tinham o sonho de vê-lo bem. Infelizmente, elas faleceram em agosto, cinco meses após a cirurgia. Ramon, então, encontra consolo na chance que ambas tiveram de presenciar a realização de seu maior desejo. “Para as duas e para todos nós da família Fernandes, esse transplante significou esperança. Quando chegou o coração, minha mãe falou, em uma entrevista: ‘eu estou muito feliz pelo meu filho, porque hoje ele vai receber um novo coração e vai viver’. E, realmente, eu estou vivendo”, garante.

 

Texto de João Pedro Ramalho para o Jornal A União deste domingo, 15/9

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