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Desabafos da advocacia negra

Gisa Veiga

Mais um negro é morto nas ruas do Brasil. E, dessa vez, a notícia levou uma semana para vir a público e virar escândalo. Por que? Estou falando do assassinato do congolês Moïse Mugenyi Kabamgabe. O crime aconteceu nas areias da praia da Barra da Tijuca, onde mora uma elite predominantemente branca, e onde parece que vida de preto pouco importa. Abafa, pra que divulgar isso? Pra que tanta indignação? Moramos numa das praias mais badaladas do Rio, não queremos admitir que isso ocorre em nossas areias, à nossa vista, e nada fazemos.

Num grupo de whatsapp da comissão de combate ao racismo da OAB-PB a notícia gerou ampla revolta. E daí surgiram pequenos relatos sobre os constrangimentos e preconceitos vividos no dia a dia de pessoas negras em João Pessoa e Campina Grande, principalmente.

Uma das advogadas do grupo disse que não pode se demorar pesquisando produtos de beleza num supermercado que logo surge um segurança disfarçado, fingindo ser cliente. Só que quem é negro sabe muito bem identificar esses disfarces. Olho clínico. “Tenho o cuidado de nunca deixar minha bolsa aberta, pra não pensarem que vou roubar alguma coisa”, disse outra.

“Sempre sou seguida em supermercados e lojas”, queixou-se uma terceira. Uma delas disse que a mãe lhe ensinava, desde pequena, que ela não poderia “andar de qualquer jeito” por aí. Era para não ser confundida com ladra. “Só entendi isso na vida adulta”.

Um amigo meu levou grito de um flanelinha quando foi pegar o próprio carro. Outra foi frequentemente espezinhada pela sogra branca, que disparou, sem o menor pudor: “Você fede”. Também conheço uma advogada que, quando morava no interior, uma pessoa bateu palmas no portão de sua casa e, quando ela abriu a porta e perguntou “o que deseja?”, recebeu como resposta: “Falar com sua patroa”. Essa amiga, já morando na capital e bem posicionada na profissão, também foi confundida com a secretária de uma colega branca. Por um desembargador do TJ.

Dá pra se ter uma ideia de como é difícil ser negro? São dores constantes, inimagináveis.

Os brasileiros não se acostumam a ver pretos bem-educados, bem-sucedidos, muito menos em posições de poder. Brancos, em sua maioria, não conseguem se enxergar como privilegiados. Muito menos admitir que existe racismo estrutural no Brasil. Brancos chegam a sentir medo de movimentos ativistas contra o racismo. Acham que pretos estão contra eles. São os mesmos que negam, por exemplo, o machismo estrutural e acreditam que mulheres querem suplantar os homens.

Cinismo ou cegueira? Ignorância ou provocação?

Voltando à pergunta: Por que demorou tanto para o caso do crime do congolês virar notícia?

Porque, infelizmente, para muitos no Brasil e no mundo, vidas pretas pouco importam.

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