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ESPECIAL – Após denúncias, ONG de Prata, na Paraíba, alega colaborações lícitas para projeto de Marçal em Angola

“Você acha que, realmente, uma organização chefiada por um bicheiro teria selo de integridade e parcerias com os Ministérios Público Estadual e Federal?”. Foi assim que Rafael Azevedo, advogado que representa as ONGs Atos e Centro Vida Nordeste, alvos de denúncia pelo Intercept Brasil, rebateu uma das várias irregularidades apontadas pela agência de notícias, que não só visitou o interior da Paraíba, como foi até Angola para mostrar o que está sendo feito por lá, como parte de um ambicioso projeto humanitário.

Com apenas quatro mil habitantes, o pequeno município de Prata, no Cariri paraibano, virou o centro das atenções após o veículo questionar o destino de R$ 4,5 milhões arrecadados por Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo, para desfavelizar a comunidade de Camizungo, a 44 quilômetros de Luanda – capital de Angola. No local, mais de 400 famílias vivem em barracos de chapas de metal, sem luz elétrica ou saneamento básico. Segundo a equipe do Intercept Brasil, os valores foram enviados à ONG Atos, que atua em Angola há pelo menos 14 anos, por meio do Centro Vida Nordeste, localizado em Prata, levantando suspeitas de irregularidades. O Jornal A União, então, conversou com o advogado para entender o caso e esclarecer o que teria colocado o município no centro dessa história.

Desde a publicação do Intercept Brasil, o que mais tem chamado atenção é o envolvimento da ONG paraibana no projeto, que é conhecida por sua atuação no semiárido, mas não tem histórico em missões internacionais. A pergunta que fica é: por que a instituição foi escolhida para intermediar doações destinadas a outro país? A resposta é simples, de acordo com Rafael Azevedo. O pastor Itamar Vieira, líder da Atos, e João Pedro Salvador de Lima, o fundador do Centro Vida Nordeste, são paraibanos e se conheceram em Campina Grande, por frequentarem a mesma igreja. Foi a partir dessa conexão que a parceria entre as ONGs teria começado, em meados de 2012, culminando nessa colaboração em Angola a partir de 2017. 

 

Entenda a polêmica

Mas, antes de mergulhar nos detalhes dessa relação, é preciso entender o que a reportagem do Intercept trouxe à tona. Nos últimos cinco anos, Pablo Marçal foi um dos principais nomes da campanha voltada à construção das 300 casas no povoado, mas apenas 42 teriam saído do papel até agora. Além dessa disparidade entre os recursos arrecadados e o número de casas entregues, a matéria levantou três suspeitas em torno das operações. A primeira é que a sede da Atos no Brasil teria sido criada às pressas e sequer existia antes da visita da equipe do Intercept ao município. A segunda, por sua vez, envolve o presidente do Centro Vida Nordeste, José Leandro Ferreira, que estaria ligado a apostas ilegais na cidade. E a terceira diz respeito aos processos que a ONG paraibana e seu fundador, que também já foi prefeito de Prata de 1997 a 2000, teriam enfrentado por emissão de notas fiscais falsas e improbidade administrativa, respectivamente. Dessa forma, a agência de notícias não só colocou em xeque a parceria entre as instituições, mas também questionou a idoneidade dos envolvidos, apontando que o repasse dos valores milionários “estranhamente” passava pela Paraíba em nome de CPFs com históricos controversos.

“As acusações são completamente falsas, não há provas. A reportagem do Intercept Brasil não cita uma única fonte, só ‘segundo moradores locais” e desse jeito eu posso dizer qualquer coisa”, rebate o advogado, representando as instituições envolvidas no caso. Na verdade, nem caso existe oficialmente, uma vez que elas não estão sendo acusadas formalmente na justiça. Durante a entrevista, o porta-voz das ONGs afirmou que o Centro Vida Nordeste, fundado em 1998, é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), o que significa que, além de ser rigorosamente fiscalizada, apresenta selo de integridade, o que confere a ela a possibilidade de firmar parcerias com o poder público. Além disso, todas as transações realizadas são devidamente informadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), evidenciando que a contabilidade por lá seria mais rigorosa. Inclusive, o advogado explicou que o dinheiro, alvo da denúncia, era enviado para uma conta exclusiva no Sicoob e de lá transferido para o Santander. Em resumo, o banco seria responsável por realizar o câmbio, recolher o tributo na fonte e informar tanto o Coaf quanto a Receita Federal sobre as operações financeiras com o Banco de Angola – conferindo transparência ao processo.

Em razão dessas formalidades, Rafael Azevedo também refuta a acusação de que o presidente da instituição, José Leandro Ferreira, seria o “Zé da Banca” citado na matéria do Intercept Brasil, explicando que é agricultor. “E o que mais tem na ONG é agricultor. Ele é um homem simples, a esposa é do lar. E eu nunca vi um bicheiro pobre na minha vida”, complementa o advogado. Segundo Rafael, embora a banca de apostas “Confiança Sports” seja conhecida na cidade, nenhum morador sabe apontar quem é o dono – diferente do que diz a agência de notícias.

 

Parceria em Angola e processos colocam ONGs no centro das atenções

 Embora Pablo Marçal tenha sido o “garoto-propaganda” da campanha humanitária que arrecadou R$ 4,5 milhões, ele não teria sido o único envolvido nessa iniciativa, como aponta a reportagem do Intercept. Antes de chegar a Angola, o Instituto Atos, em parceria com o governo angolano, já havia estabelecido uma infraestrutura mínima em Camizungo, incluindo refeitório, horta, escola e posto de saúde. Desde 2017, o trabalho na comunidade visava o combate à subnutrição com o fornecimento de alimentação e acesso à escola para mais de 800 crianças. Também foi nesse período que a Atos teria dado início à parceria com o Centro Vida Nordeste, conforme explica o advogado, levando engenheiros agrônomos da Paraíba para Angola, devido aos desafios semelhantes de plantio em solo árido.

Conforme a nota veiculada no site da Atos, foi nesse momento que se definiu uma parceria estratégica entre os dois institutos, com a ONG paraibana disponibilizando sua estrutura administrativa para gerenciar o recebimento e a transferência de recursos arrecadados no Brasil, destinados aos projetos em Angola. Segundo o advogado Rafael Azevedo, até pouco tempo a Atos operava de forma virtual e não possuía uma sede física no país. Por isso, quando a equipe do Intercept visitou o local, o escritório, recém-aberto em agosto, causou a impressão de que havia sido “improvisado”. “A decisão por abrir um escritório físico no Brasil foi anterior à primeira reportagem, em 5 de setembro, tendo sido tomada ainda no primeiro semestre deste ano.”

 

Marçal e Angola

Foi apenas em 2019, após conhecer o projeto através de uma seguidora, que Pablo Marçal entrou na campanha para arrecadar doações para a construção de casas e uma fábrica de tijolos orgânicos na região. “Ele não tirou um centavo do bolso, mas influenciou as pessoas a doarem”, destacou o representante das ONGs, Rafael Azevedo. Dois leilões foram realizados para arrecadar os recursos, mas, segundo o advogado, nem todos os doadores pagaram pelos bens arrematados. “Muitos estão para ser vendidos e outros não foram pagos.” Do R$ 1,5 milhão conquistado no primeiro pregão eletrônico, apenas R$ 1,077 milhão foi efetivamente arrecadado e usado para construir 26 casas, cada qual ao custo de R$ R$ 41 mil. Já no segundo leilão, dos R$ 2,7 milhões anunciados, apenas R$ 600 mil chegaram à Atos, resultando na construção de mais 10 casas.

Marçal teria inflado os números ao anunciar o resultado, mas, de acordo com o advogado, o dinheiro recebido foi aplicado conforme o andamento das doações. “Hoje, temos 42 casas e 10 em construção, muitas delas erguidas com recursos de outros doadores, do Brasil e de Angola, inclusive. Infelizmente, o dinheiro é bem menor na prática, mas o plano é construir 350 casas, fazer uma cidade no local, à medida que os recursos chegarem.” O jornal A União tentou contato com a equipe do candidato à Prefeitura de São Paulo e ex-coach, Pablo Marçal, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.

 

Processos

Em sua reportagem, o Intercept Brasil também trouxe à tona um possível passado “controverso” de João Pedro, fundador do Centro Vida Nordeste, apontando suspeitas sobre a emissão de notas fiscais falsas e improbidade administrativa – duas acusações que o advogado fez questão de rebater. Em 2017, o MPF chegou a acusá-lo de desviar verbas públicas destinadas à merenda escolar em Prata. Porém, segundo Rafael Azevedo, a denúncia foi rejeitada e considerada “inepta” pela Justiça Federal por falta de provas – e não por erro na petição inicial, como disse o Intercept. “A ONG ajudava os agricultores pegando a produção, depois fazia a merenda e doava. As notas são verdadeiras, a mercadoria é verdadeira, a merenda é verdadeira, tudo é verdadeiro. Os agricultores são parceiros”, explica, citando ainda o documento expedido pela 11ª Vara Federal – PB no qual o juiz ressalta que a denúncia não trazia detalhes como tempo, lugar e modo de execução do crime.

Já em relação à denúncia de improbidade administrativa, o caso remonta a 2001, quando a Prefeitura de Prata firmou um convênio com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para a construção de sanitários. O processo, movido pelo MPF, apontou suspeitas após uma única construtora vencer várias pequenas licitações na cidade. O montante envolvido era de R$ 70 mil. Embora o caso tenha sido julgado na Justiça Federal, o réu, João Pedro, vem recorrendo no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) há anos, inclusive pedindo a prescrição do processo, que ainda aguarda julgamento.

O advogado do réu esclarece que a construtora vencedora não tinha qualquer relação com João Pedro e que o problema surgiu quando a Funasa apresentou uma planta diferente durante a fiscalização. Segundo ele, em 2014, um laudo da própria fundação confirmou que 100% da obra foi entregue e sem prejuízo ao erário, mas a questão do caráter competitivo da licitação ainda está sendo discutida. “Tanto é que na sentença diz que não foi possível verificar enriquecimento ilícito. Essa construtora ganhou várias licitações porque, simplesmente, era uma das poucas que preenchiam os requisitos.”

A equipe de reportagem do Jornal A União tentou contato diretamente com João Pedro e José Leandro, mas ambos apontaram o advogado Rafael Azevedo como porta-voz oficial. Também houve uma tentativa de falar com a ONG Atos para comentar o caso, mas, até o fechamento desta edição, a instituição não havia atendido à solicitação de entrevista.

 

Texto de Priscila Perez para o Jornal A União
Fotos: João Pedro/CVN

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